sábado, 13 de novembro de 2021

Quem você ama com seu carrinho de supermercado?

Sexta-feira, 19h40, fila do supermercado. Observo os carrinhos alheios, como me é peculiar. Hábito péssimo sob a ótica da etiqueta, mas fantástico do prisma sociológico que não tenho. Enfim, seja como for, olho sem constrangimento.
E a conclusão à qual chego semanalmente é que todo carrinho de supermercado tem muito mais a ver com amor do que com o que falta na despensa.
O amor generoso transportado no carrinho que tem cinco quilos de arroz, doze litros de leite integral que acabam logo, uma pilha de bandejas de carne, um saco de laranja para suco – em vez dos que já vêm nas caixinhas de papelão – e danoninhos incontáveis. Quiçá dois Kinder Ovos.
O amor-próprio passeando no carrinho com deliciosas porções individuais de coisa boa, regadas com uma garrafa de vinho chileno, salada pré-lavada, um xampu neutro e uma caixinha de lichias.
O amor-próprio obsessivo-compulsivo no carrinho com proteína, proteína, proteína e batata-doce.
A total falta de amor-próprio no carrinho com salgadinhos de isopor, refrigerantes individuais tamanho família, álcool sem amigos e açúcar sem pretexto.
O amor aos sábados de sol, no luminoso carrinho com uma picanha, trinta latas de cerveja, queijo coalho, sal grosso, carvão e gelo.
O amor conjugal festivo no invejável carrinho com queijo de preço injusto, frios diversos, espumante com pressa para gelar e barra de chocolate que vai derreter entre os dedos futuramente lambidos.
O amor à conta bancária nos carrinhos com “leve 4, pague 3”, marcas genéricas e um belo tanto de coisas não desejadas mas impostas por irresistíveis ofertas.
O amor ao trabalho que se apressa no carrinho com barras de cereal inquilinas de gaveta, congelados da madrugada, iogurtes de beber que vão vazar na bolsa e qualquer garrafa de teor alcoólico superior a 40% para os dias em que as escolhas forem questionadas.
Quatro rodas que transportam verdades evidentes que muitas vezes não são vistas nem ditas, verdades espalhadas entre armários de madeira, prateleiras refrigeradas e os submundos do freezer.

Ruth Manus, in Pega lá uma chave de fenda: e outras divagações sobre o amor

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