Como a água chega à floresta? Ou,
fazendo uma pergunta ainda mais básica, como a água chega ao solo?
Por mais que a pergunta pareça simples,
a princípio a resposta é complicada, pois uma das características
básicas da terra é estar em uma altitude mais elevada que o mar.
Pelo efeito da gravidade, a água sempre flui para o ponto mais
baixo. Se essa fosse a única força atuando, os continentes ficariam
completamente secos. No entanto, esse efeito é evitado pelas nuvens,
que se formam sobre o mar, são empurradas para o continente pelo
vento e fornecem um suprimento de água contínuo para regiões mais
distantes da costa – mecanismo que só funciona até algumas
centenas de quilômetros do mar. Quanto mais nos embrenhamos pela
terra firme, mais seco é o clima, porque a precipitação ocorre
antes de chegar ao interior.
A cerca de 600 quilômetros da costa o
clima fica tão seco que surgem os primeiros desertos. Se
dependêssemos apenas desse mecanismo, a vida só seria possível em
uma faixa estreita na borda dos continentes, e o interior seria árido
e seco. Isso em tese. Na prática, por sorte, existem as florestas,
uma forma de vegetação com a maior superfície coberta por folhas:
para cada quilômetro quadrado de floresta há 27 quilômetros
quadrados de folhas e agulhas nas copas, onde parte da precipitação
é retida e evapora. Além disso, no verão as árvores precisam de
até 2.500 metros cúbicos de água por quilômetro quadrado de
folhas, volume que elas liberam no ar por meio da respiração. Essa
evaporação forma novas nuvens, que se deslocam para o interior do
continente e voltam à terra na forma de chuva. Esse ciclo continua
de modo que as áreas mais distantes da costa também sejam
abastecidas.
Essa “bomba d’água” funciona tão
bem que, mesmo a milhares de quilômetros da costa, o volume de
precipitação em muitas regiões grandes da Terra, como a Bacia
Amazônica, não é tão diferente do da área costeira. Mas para
isso há uma condição: que o caminho a partir da costa até o ponto
mais distante seja coberto de florestas. Caso contrário o sistema
não funciona.
Os cientistas atribuem essa descoberta
fundamental a Anastassia Makarieva, do Instituto de Física Nuclear
de São Petersburgo, na Rússia. Ela e seu grupo realizaram
pesquisas em diferentes florestas espalhadas pelo mundo e chegaram
sempre às mesmas conclusões: na floresta tropical ou na taiga
siberiana, eram as árvores que transportavam a umidade necessária à
vida para o interior do continente.
Também descobriram que o processo
inteiro é interrompido quando as florestas costeiras são
desmatadas. É como se alguém removesse os tubos de sucção de água
de uma bomba elétrica. No Brasil, as consequências já começaram a
surgir: o nível de umidade da Floresta Amazônica está cada vez
mais baixo. A Europa Central, a cerca de 600 quilômetros da costa,
ainda faz parte da área de alcance da bomba de sucção, e
felizmente ainda existem florestas na região, apesar de sua área já
ter diminuído bastante.
As florestas de coníferas do hemisfério
Norte têm outra forma de influenciar o clima e o equilíbrio
hídrico: exalando terpenos, substâncias que funcionam originalmente
como proteção contra doenças e parasitas. Quando essas moléculas
entram na atmosfera, concentram a umidade. Com isso, formam-se nuvens
duas vezes mais densas do que em superfícies sem florestas. A
probabilidade de chuva aumenta, e com isso 5% a mais de luz é
refletida, em vez de ser absorvida. O clima local esfria – e o
clima frio e úmido é ideal para as coníferas. Devido a esse
efeito, os ecossistemas desempenham um papel possivelmente importante
na redução das mudanças climáticas.
As precipitações regulares são
fundamentais para o ecossistema da Europa Central, pois água e
floresta formam um par quase inseparável. Seja riachos, lagos ou a
própria floresta, todos os ecossistemas devem oferecer a seus
habitantes a condição mais constante possível. Um caso típico de
animal que não gosta de grandes alterações é o caramujo de água
doce. Dependendo da espécie, um indivíduo mede menos de 2
milímetros e adora água fria, que não deve ultrapassar 8ºC.
O motivo de muitos desses caramujos não
suportarem água mais quente está no passado da espécie: seus
ancestrais se adaptaram às águas formadas pelo degelo dos
glaciares, tão comuns na Europa durante a última Era do Gelo. Os
mananciais limpos que nascem nas florestas oferecem tais condições.
A água emerge a uma temperatura fria e constante, pois sai dos
lençóis freáticos subterrâneos, nas camadas mais profundas do
solo, onde fica isolada das temperaturas externas. Como atualmente
não há mais geleiras na Europa, esse é o hábitat substituto ideal
para os caramujos.
No entanto, ainda assim a água precisa
brotar o ano todo, e é nesse ponto que a floresta entra em cena,
pois o solo age como um grande reservatório para a chuva. As árvores
evitam que as gotas caiam com muita força no solo; em vez disso,
elas pingam suavemente dos galhos. O solo arenoso absorve toda a
água, impedindo a criação de charcos. Quando a terra fica saturada
e a reserva para as árvores já está cheia, a água excedente passa
a escoar devagar, ao longo de anos, para as camadas mais profundas, e
às vezes são necessárias décadas até que a umidade volte a
brotar.
Hoje em dia já não existem mais
oscilações entre períodos de seca e fortes precipitações, e
restou apenas um manancial de onde a água brota, embora nem sempre
se possa dizer que ela de fato “brota”. Muitas vezes parece
apenas uma região pantanosa, enlameada, que se estende no solo da
floresta como uma mancha escura até o riacho mais próximo. No
entanto, olhando mais de perto (e para isso é necessário ficar de
joelhos), é possível reconhecer filetes mínimos que caracterizam
um manancial. Mas, para descobrir se a água acumulada é apenas
consequência de uma chuva forte ou de fato um lençol freático, é
preciso usar um termômetro. Se ela estiver abaixo de 9ºC, deve ter
brotado de um manancial.
É pouco provável que alguém vá
passear na floresta com um termômetro. Mas existe uma alternativa:
passear quando o solo estiver congelado e quebradiço, pois as poças
e a água da chuva congelam, mas os mananciais continuam vazando
água. Os caramujos de água doce também gostam dessa temperatura
constante e ideal o ano todo. E não é apenas o solo que torna isso
possível. O teto de folhas das árvores fornece sombra e bloqueia o
excesso de radiação solar. No verão, um micro-hábitat como esse
poderia se aquecer rapidamente e cozinhar os caracóis.
A floresta oferece um serviço semelhante
e até mais importante para os riachos. Ao contrário do manancial
(de onde a água brota a uma temperatura constantemente fria), a água
dos riachos sofre oscilações de temperatura. Animais como a larva
de salamandra e o girino, que vivem fora do riacho, se comportam como
os caracóis: precisam do oxigênio na água, por isso ela deve
permanecer fria, mas não a ponto de congelar, do contrário eles
morrem.
As árvores frondosas solucionam esse
problema. No inverno, quando o sol quase não esquenta, os galhos sem
folhas deixam passar muita radiação solar, elevando a temperatura
da água. O contato da água com o mato e as pedras também impede o
congelamento rápido. Por outro lado, se no fim da primavera
esquentar demais, as folhas das árvores nascem e “fecham a
cortina”, evitando que o sol esquente demais a água corrente.
Depois disso o céu só se abre sobre o riacho no outono, quando as
temperaturas voltam a cair.
Já os riachos próximos a coníferas
passam por mais dificuldades. Nessas regiões o inverno é rigoroso,
a água congela, às vezes por completo, e, como a água demora para
aquecer na primavera, o curso de água não pode servir de hábitat
para muitos organismos. No entanto, é difícil que surjam coníferas
naturalmente à beira de riachos, pois os abetos não gostam de ter
as raízes saturadas de água e mantêm distância desse tipo de
terreno. Em geral esse conflito entre a floresta de coníferas e os
habitantes dos riachos é causado por plantações.
As árvores continuam sendo importantes
para os riachos mesmo após a morte. Por exemplo, se uma faia morta
cai na transversal sobre o leito de um riacho, ela permanecerá ali
por décadas, agindo como um pequeno dique e criando áreas de água
parada em que podem viver espécies que não gostam de correntes
fortes, como as larvas de salamandra. Na água fria da floresta, elas
espreitam pequenos caranguejos, dos quais se alimentam. Para tal a
qualidade da água precisa ser perfeita, e até isso as árvores
mortas propiciam, pois nos laguinhos represados depositam-se lama e
partículas em suspensão, e por causa da lentidão da correnteza as
bactérias têm mais tempo para decompor substâncias tóxicas antes
de serem levadas. Por isso, não precisamos nos preocupar ao ver
espuma na água após uma chuva forte. O que inicialmente parece um
desastre ambiental, na verdade, pode ser o resultado da ação dos
ácidos húmicos, que entram em contato com o ar em pequenas
quedas-d’água e formam a espuma. Esses ácidos nascem da
decomposição de folhas e madeira morta e são extremamente valiosos
para o ecossistema.
Nos últimos anos, a floresta tem visto
uma redução no número de troncos caídos para formar esses
pequenos charcos, e cada vez mais ela recebe a ajuda de um animal que
estava em extinção mas voltou à ativa: o castor. Talvez as árvores
não fiquem felizes com essa “proteção”, pois na verdade esse
roedor que pesa até 30 quilos é o lenhador dos animais. Em uma
noite, pode derrubar árvores com tronco de diâmetro entre 8 e 10
centímetros (se for mais grosso, ele necessitará de mais turnos de
trabalho).
O castor precisa derrubar os troncos por
causa dos galhos – ele se alimenta deles e faz estoque na toca, que
no decorrer do ano pode alcançar alguns metros de largura. Também
usa os galhos para esconder a entrada da toca. A fim de aumentar a
proteção, o castor cava os túneis de acesso embaixo d’água;
isso impede o acesso de animais de rapina. Apenas a parte habitável
fica acima do nível da água, em terra firme. Tendo em vista que o
espelho d’água pode subir ou descer dependendo da época do ano,
muitos castores constroem diques e represam riachos, formando grandes
lagoas. A água escoa lentamente da floresta, e perto da região de
represamento formam-se charcos. Os amieiros e salgueiros adoram o
solo úmido, mas as faias odeiam, e morrem. No entanto, mesmo as
espécies de árvores que se aproveitam do aumento da umidade não
duram muito tempo na área de atuação do castor, pois são uma
fonte viva de alimentos do roedor.
Embora o castor prejudique a floresta a
seu redor, em geral ele exerce uma influência positiva no
ecossistema, pois regula o equilíbrio hídrico da região. Além
disso, cria hábitats para espécies que precisam de áreas extensas
de água parada.
A chuva pode criar um clima maravilhoso
durante uma caminhada, mas se torna um problema se não estivermos
com roupas adequadas. Mas, caso você esteja numa floresta de árvores
frondosas e não queira pegar chuva, é possível se precaver e ir
embora antes. Para isso, é preciso que na floresta haja pássaros
que mudem o canto quando a chuva se aproxima, como é o caso dos
tentilhões (ave comum na Europa, na África e na Ásia), que cantam
com ritmo quando o tempo está bom. Porém, quando a chuva se
aproxima, o canto se transforma em um grasnado alto e nada musical.
Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam
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