segunda-feira, 3 de maio de 2021

Matando porco

Era uma tarde fresca. Estávamos assentados à sombra de um flamboyant na casa do meu primo Tatão, lá em Boa Esperança, jogando conversa fora. Gozado, pela primeira vez essa expressão “jogar conversa fora” chamou a minha atenção. Joga-se fora aquilo que não é para ser guardado. Não se diz “jogar conversa fora” de conversas de negócios entre executivos. Nas conversas de executivos nada é para ser jogado fora. Cada palavra vale dinheiro. Jogar conversa fora é uma brincadeira parecida com soprar bolhas de sabão. As bolhas de sabão são de curta duração. Vão-se umas, sopram-se outras. Quando jogamos conversa fora voltamos a ser crianças: sopramos bolhas com palavras, bolhas que serão logo esquecidas. Pois é. Lá estávamos nós quando, de repente, comecei a sentir um cheiro que me levou para dias da minha infância. A imagem que aquele cheiro me trouxe era tão doida que eu não disse nada. Achei que iriam se rir de mim. Foi quando uma das filhas do Tatão interrompeu a conversa e disse com aquela música pachorrenta do falar mineiro: “Uai, gente, que cheiro de quando estão matando porco...” . Ah! Era isso mesmo que estava na minha cabeça. De alguma forma aquele cheiro me levou de volta a uma cena que estava enterrada na minha memória. Os cheiros têm estranhos poderes evocativos. Quando se mata porco há um cheiro característico: da lenha, do porco morto sendo chamuscado no fogo, do couro do bicho sendo amolecido pela água fervente.

Rubem Alves, in O velho que acordou menino

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