Recebi uma lição de um de meus filhos,
antes dele fazer 14 anos. Haviam me telefonado avisando que uma moça
que eu conhecia ia tocar na televisão, transmitido pelo Ministério
da Educação. Liguei a televisão, mas em grande dúvida. Eu
conhecera essa moça pessoalmente e ela era excessivamente suave, com
voz de criança, e de um feminino-infantil. E eu me perguntava: terá
ela força no piano? Eu a conhecera num momento muito importante:
quando ela ia escolher a “camisola do dia” para o casamento. As
perguntas que me fazia eram de uma franqueza ingênua que me
surpreendia. Tocaria ela piano?
Começou. E, Deus, ela possuía a força.
Seu rosto era um outro, irreconhecível. Nos momentos de violência
apertava violentamente os lábios. Nos instantes de doçura
entreabria a boca, dando-se inteira. E suava, da testa escorria para
o rosto o suor. De surpresa de descobrir uma alma insuspeita, fiquei
com os olhos cheios de água, na verdade eu chorava. Percebi que meu
filho, quase uma criança, notara, expliquei: estou emocionada, vou
tomar um calmante. E ele:
– Você não sabe diferenciar emoção
de nervosismo? Você está tendo uma emoção.
Entendi, aceitei, e disse-lhe:
– Não vou tomar nenhum calmante.
E vivi o que era para ser vivido.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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