A mulher da sombrinha vermelha tinha na
carne uma educação exemplar. Aprendera na cartilha das abelhas, e
de um tudo só retirava o mel, eu pensava. Sua boca só existia para
o açúcar. O amargo, não soube em que lugar guardava. Duvidava da
existência de uma vida inteiramente doce. Ela não sabia ler cartas,
mas decifrava outros enigmas: um rosto triste, uma mão vazia, uma
sombra no olhar. Fazia a saia dialogar com a blusa, a jarra conversar
com as flores. Compreendia a solidão que o macarrão exigia. Dia de
macarronada só comia macarronada. De tudo dispensava o supérfluo.
Fazia do tomate rosas para decorar o arroz, em dia de festa.
Ah! O tomate. Quanto espanto ele me
suscitava. Sua presença anunciava meu exílio. Um dia, por certo, eu
deveria ser deportado, mesmo sem cometer crime. Nunca supus que
carregaria comigo — vida afora — a imagem do tomate maduro preso
entre seus dedos. Mas não recusei, jamais, a fatia que me tocava.
Minha mãe anunciava que para viver era preciso engolir sapos. Mesmo
gosmentos, ásperos, enrugados, é necessário deixá-los deslizar
garganta abaixo, sem lastimar. Não há semelhança aparente entre o
sapo e o tomate. Um vive, o outro vegeta.
O irmão mais velho aprendeu cedo a
deixar-se conduzir pelo caminhão do pai. Sem carteira de motorista,
escolhia as estradas secundárias. Viajava entre buracos e tropeços,
entre caminhos de depressões. Por descuidos, ultrapassava quando a
faixa era contínua. Identificava a diferença entre a vela de Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro e as velas do motor. Devia sentir um
desejo imenso de degustar o vidro do para-brisas. Por vezes, ele me
convidava para tomar banho juntos, na bica do quintal, debaixo da
água que chegava das montanhas. Nus, arrepiados pela água gelada,
eu contemplava sua presença de homem e me acusava como apenas um
menino, indefeso, cheio de medo do amor e do tomate.
Bartolomeu Campos de Queirós, in Vermelho Amargo
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