Uma das conquistas do cinema sonoro foi a
descoberta do silêncio — o silêncio de quando se espera ou se
imagina uma coisa.
No tempo do silencioso, ignorava-se o
silêncio: havia sempre nas salas de projeção o pano de boca da
orquestrinha, como hoje o pano de fundo musical.
Me ocorre tudo isso ao ver Frenesi,
o último filme de Mestre Hitchcock, que, Deus o abençoe, não criou
mofo com a velhice.
Há, neste filme, uma esquina
terrivelmente silenciosa, sem ninguém. E uma escada deserta, por
onde sente-se que o silêncio vai subindo. Um truque da objetiva,
sim, mas pura magia do Mestre.
Aliás, o silêncio é que torna tão
impressionante — tão de outro mundo — uma rua numa tela. Que
torna tão encantadoras as crianças daquelas cenas familiares
pintadas pelo velho Renoir. E mesmo lendo-se um romance, ouvindo-se
um drama — nós o fazemos em um silêncio de almas desencarnadas,
isto é, quando nós vemos livres de nós mesmos. Esse, o milagre da
arte.
E, diante disto, bem se poderia dizer que
toda a arte é feita de silêncio — inclusive a música.
Mário Quintana, in A vaca e o hipogrifo
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