terça-feira, 23 de março de 2021

A descoberta

Bom-dia. Eu sou o pai do Buscapé.
Do Buscapé?
Do Otávio.
Ah, do Otávio. Pois não.
Ele é um demônio.
Eu sei. Quer dizer, não. Ele é um menino, vamos dizer, hiperativo.
— “Hiper” é pouco.
Eu não acho que...
Por favor. Não precisa se constranger. Eu sou o pai e sei. Ele é um demônio.
É.
E é sobre isso que eu queria lhe falar.
Ele contou que eu gritei com ele na aula...
Não, não. Isso ele nem nota. Está acostumado. É que a mãe dele está preocupada.
Eu não me preocuparia. Todas as crianças são hiperativas nessa fase. O Buscapé... O Otávio só é um pouco mais do que as outras. A sua senhora não deve...
Mas ela está preocupada com outra coisa.
O quê?
O Busca não pára de ler.
Não pára de ler? Mas isso é ótimo.
Desde que começou a ler, anda sempre com um livro debaixo do braço. Quando a gente estranha o silêncio dentro de casa, vai ver é ele não fazendo barulho. Está atirado no chão, soletrando um livro, muito compenetrado.
Mas eu não vejo qual o problema.
É a mãe dele que... Bom, ela sente falta.
Do quê?
Da agitação do Busca. Ela não está acostumada, entende? A ter um intelectual em casa. Outro dia até brigou com ele.
Por quê?
Ele estava quieto demais. Ela gritou: “Eu não aguento mais. Quebra alguma coisa!”.
Mas eu não entendo o que eu posso...
Bom, se a senhora pudesse, sei lá. Não digo desencorajar o Busca. Só dizer que ele não precisa exagerar.
Mas ele está descobrindo o mundo maravilhoso dos livros. Isso é formidável.
É, só que a gente fica, não é?, com um certo ciúme.

Luís Fernando Veríssimo, in O santinho

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