No City College de Los Angeles, logo
antes da Segunda Guerra Mundial, eu me fazia de nazista. Mal sabia
distinguir Hitler de Hércules, mas não me importava nem um pouco. O
negócio é que ficar sentado na sala de aula ouvindo todos aqueles
patriotas discursando sobre como deveríamos atravessar o oceano e
acabar com tudo aquilo me entediava profundamente. Decidi fazer
oposição. Não me dava sequer o trabalho de ler sobre Adolf,
simplesmente vomitava qualquer coisa que me parecia maléfica ou
insana.
A verdade é que, de fato, eu não tinha
nenhuma crença política. Era apenas uma maneira de me libertar
daquilo tudo.
Você sabe, algumas vezes, se um homem
não acredita no que está fazendo, ele pode fazer um trabalho muito
mais interessante, porque ele não está emocionalmente envolvido em
sua Causa. Não demorou muito até que todos os garotos altos e
loiros formassem A Brigada Abraham Lincoln – para manter as hordas
do fascismo fora da Espanha. E então levaram chumbo das tropas
treinadas. Alguns fizeram isso pela aventura e pela viagem até a
Espanha, mas mesmo assim levaram chumbo na bunda. Não havia em mim
nenhuma parte que me atraísse muito, mas gostava da minha bunda e do
meu caralho e não queria perder nenhuma parte do corpo nessa
confusão.
Eu levantava durante a aula e gritava
qualquer coisa que me viesse à cabeça. Normalmente tinha alguma
relação com a Raça Superior, o que me parecia ser bem engraçado.
Não falava diretamente dos Negros e dos Judeus, porque via que eles
eram tão pobres e perdidos quanto eu era. Mas mandei alguns
discursos selvagens dentro e fora da sala de aula, e a garrafa de
vinho que eu mantinha no meu armário me ajudava. Ficava surpreso ao
perceber a quantidade de pessoas que me ouviam e quão poucas entre
elas, se é que alguma, ao menos questionava minhas afirmações.
Apenas derramava palavras boca afora e me
deliciava ao ver que divertido podia ser o City College de Los
Angeles.
– Você vai concorrer a presidente do
corpo estudantil, Chinaski?
– Não, porra.
Não queria fazer coisa nenhuma. Eu não
ia nem mesmo à academia. Na verdade, a última coisa que eu queria
fazer era ir à academia e suar e usar sunguinha e comparar os
tamanhos dos paus. Sabia que eu tinha um pau de tamanho médio. Não
precisava ir à academia para descobrir isso.
Estávamos com sorte. O colégio decidiu
cobrar uma taxa de dois dólares para matrícula. Decidimos – uns
poucos de nós decidiram, para variar – que isso era
inconstitucional, então recusamos. E nos mantivemos firmes contra a
coisa toda. Permitiram que a gente assistisse às aulas, mas alguns
de nossos privilégios foram cortados, entre eles o uso da academia.
Quando chegava a hora da aula de
ginástica, ficávamos com roupas civis. O treinador havia recebido
ordens de nos fazer caminhar para cima e para baixo pelo campo em uma
formação fechada. Essa era a vingança deles. Uma maravilha. Eu não
precisava correr ao redor da pista suando a bunda nem ficar tentando
arremessar uma bola estúpida de basquete por uma cesta ainda mais
estúpida.
Marchávamos para lá e para cá, jovens,
os sacos cheios, cheios de loucura, excitados, sem buceta, à beira
da guerra. Quanto menos se acreditava na vida, menos se tinha a
perder. Eu não tinha muito a perder, eu e o meu caralho mediano.
Marchávamos e compúnhamos músicas
obscenas, e os bons garotos americanos do time de futebol ameaçavam
nos dar uma surra, mas de alguma forma nunca o faziam. Provavelmente
porque éramos maiores e mais malvados. Para mim, era maravilhoso
fingir-me de nazista e em seguida proclamar que meus direitos
constitucionais estavam sendo violados.
Às vezes eu me emocionava. Lembro que
uma vez, durante a aula, depois de me passar no vinho, os olhos rasos
d’água, eu disse:
– Prometo a vocês que essa
dificilmente será a última guerra. Tão logo um inimigo caia, de
alguma forma outro surgirá. Não há fim nem sentido nisso tudo. Não
existe essa coisa de guerra boa ou má.
Em outra ocasião, havia um comunista
falando em um palanque erguido em uma área verde ao sul do campus.
Era um garoto muito sério com óculos sem armação, espinhas,
vestindo um suéter preto com furos nos cotovelos. Fiquei ouvindo o
que ele dizia e tinha comigo alguns de meus seguidores. Um deles era
um Russo Branco, Zircoff, seu pai ou seu avô foram mortos pelos
Vermelhos na Revolução Russa. Ele me mostrou um saco de tomates
podres.
– Quando você der a ordem – ele me
disse –, começaremos a atirar.
Percebi então que meus seguidores não
estavam ouvindo o discurso, ou que, mesmo que estivessem ouvindo,
nada do que ele dissesse importaria. Suas mentes estavam decididas. A
maioria do mundo estava assim. De repente, ter um pau mediano não
parecia ser o pior pecado do mundo.
– Zircoff – eu disse –, deixe os
tomates de lado.
– Porra – ele disse. – Queria que
fossem granadas.
Perdi o controle dos meus homens naquele
dia e fui embora caminhando assim que eles começaram a arremessar
seus tomates podres.
Fui informado de que um novo partido de
vanguarda estava para se formar. Recebi um endereço em Glendale e
fui até lá naquela noite. Sentamo-nos no porão de uma casa grande
com nossas garrafas de vinho e nossos caralhos de tamanhos variados.
Havia um palanque e uma mesa com uma
bandeira americana bem grande desfraldada na parede de trás. Um
garoto americano de aspecto saudável caminhou até o palanque e
sugeriu que começássemos saudando a bandeira, jurando-lhe lealdade.
Nunca gostei de jurar lealdade à
bandeira. Era aborrecido e idiota demais. Sempre me senti mais
confortável jurando lealdade a mim mesmo, mas lá estávamos, e nos
levantamos e fizemos a coisa toda. Então, depois, houve uma pequena
pausa, e todos se sentaram como que se sentindo levemente molestados.
O americano saudável começou a falar.
Reconheci-o como um gordo que sentava na primeira fila na aula de
escrita teatral. Nunca confiei nesses tipos. Idiotas. Estritamente
idiotas. Ele começou:
– A ameaça comunista deve ser contida.
Estamos aqui reunidos para tomar medidas que levem a isso. Daremos
passos legais e talvez ilegais para atingirmos nossa meta...
Não me lembro muito do resto. Não me
importava muito com a ameaça comunista ou com a ameaça nazista.
Queria me embebedar, foder, queria uma boa refeição, cantar diante
de um copo de cerveja em um bar sujo e fumar um cigarro. Eu não
estava conscientizado. Eu era um tolo, uma peça na engrenagem.
Mais tarde, Zircoff, eu e um ex-seguidor
fomos até Westlake Park e alugamos um barco e tentamos pegar um pato
para o jantar. Arranjamos um jeito de ficar muito bêbados e não
pegamos um pato e descobrimos que não tínhamos dinheiro suficiente
com a gente para pagar o aluguel do barco.
Ficamos flutuando pelo lago raso e
jogamos roleta russa com a arma de Zircoff e tivemos sorte. Então
Zircoff se levantou na bebedeira da madrugada e atirou no fundo do
barco. A água começou a entrar e nos apressamos para tentar chegar
à margem. A um terço do caminho, o barco afundou e tivemos que sair
e molhar nossos rabos para alcançar terra firme. No fim a noite
acabou bem e não se poderia dizer que foi perdida.
Banquei o nazista por mais um tempo
ainda, sem dar realmente bola para os nazistas, muito menos para os
comunistas ou para os americanos. Mas estava perdendo o interesse. Na
verdade, desisti pouco antes de Pearl Harbour. A diversão tinha
acabado. Sentia que a guerra aconteceria e eu não tinha muita
vontade de ser um combatente e também não queria ser um
oposicionista conscientizado. Tudo isso era uma merda. Eu era inútil.
Eu e meu pau mediano estávamos em apuros.
Sentei na sala de aula sem falar,
esperando. Os alunos e os instrutores me alfinetavam. Tinha perdido
minha motivação, meu gás, meu combustível. Senti que a coisa toda
fugira do meu controle. A coisa aconteceria. Todos os caralhos
estavam em apuros.
Minha professora de inglês, uma senhora
muito agradável com belas pernas, me pediu, certa vez, para ficar
depois da aula.
– O que está acontecendo, Chinaski? –
ela perguntou.
– Desisti – eu disse.
– Refere-se à política? –
perguntou.
– Sim – respondi.
– Você daria um bom marinheiro – ela
disse.
Saí caminhando…
Eu estava sentado com o meu melhor amigo,
um fuzileiro naval, em um bar no centro bebendo cerveja quando
aconteceu. Um aparelho de rádio estava tocando música, houve uma
pausa. Disseram-nos que Pearl Harbour tinha sido bombardeada. Foi
anunciado que todos os militares deviam voltar a suas bases. Meu
amigo pediu que eu tomasse o ônibus para San Diego com ele,
sugerindo que poderia ser a última vez que o veria. Ele estava
certo.
Charles Bukowski, in Ao sul de lugar nenhum
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