quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Política

          No City College de Los Angeles, logo antes da Segunda Guerra Mundial, eu me fazia de nazista. Mal sabia distinguir Hitler de Hércules, mas não me importava nem um pouco. O negócio é que ficar sentado na sala de aula ouvindo todos aqueles patriotas discursando sobre como deveríamos atravessar o oceano e acabar com tudo aquilo me entediava profundamente. Decidi fazer oposição. Não me dava sequer o trabalho de ler sobre Adolf, simplesmente vomitava qualquer coisa que me parecia maléfica ou insana.
A verdade é que, de fato, eu não tinha nenhuma crença política. Era apenas uma maneira de me libertar daquilo tudo.
Você sabe, algumas vezes, se um homem não acredita no que está fazendo, ele pode fazer um trabalho muito mais interessante, porque ele não está emocionalmente envolvido em sua Causa. Não demorou muito até que todos os garotos altos e loiros formassem A Brigada Abraham Lincoln – para manter as hordas do fascismo fora da Espanha. E então levaram chumbo das tropas treinadas. Alguns fizeram isso pela aventura e pela viagem até a Espanha, mas mesmo assim levaram chumbo na bunda. Não havia em mim nenhuma parte que me atraísse muito, mas gostava da minha bunda e do meu caralho e não queria perder nenhuma parte do corpo nessa confusão.
Eu levantava durante a aula e gritava qualquer coisa que me viesse à cabeça. Normalmente tinha alguma relação com a Raça Superior, o que me parecia ser bem engraçado. Não falava diretamente dos Negros e dos Judeus, porque via que eles eram tão pobres e perdidos quanto eu era. Mas mandei alguns discursos selvagens dentro e fora da sala de aula, e a garrafa de vinho que eu mantinha no meu armário me ajudava. Ficava surpreso ao perceber a quantidade de pessoas que me ouviam e quão poucas entre elas, se é que alguma, ao menos questionava minhas afirmações.
Apenas derramava palavras boca afora e me deliciava ao ver que divertido podia ser o City College de Los Angeles.
Você vai concorrer a presidente do corpo estudantil, Chinaski?
Não, porra.
Não queria fazer coisa nenhuma. Eu não ia nem mesmo à academia. Na verdade, a última coisa que eu queria fazer era ir à academia e suar e usar sunguinha e comparar os tamanhos dos paus. Sabia que eu tinha um pau de tamanho médio. Não precisava ir à academia para descobrir isso.
Estávamos com sorte. O colégio decidiu cobrar uma taxa de dois dólares para matrícula. Decidimos – uns poucos de nós decidiram, para variar – que isso era inconstitucional, então recusamos. E nos mantivemos firmes contra a coisa toda. Permitiram que a gente assistisse às aulas, mas alguns de nossos privilégios foram cortados, entre eles o uso da academia.
Quando chegava a hora da aula de ginástica, ficávamos com roupas civis. O treinador havia recebido ordens de nos fazer caminhar para cima e para baixo pelo campo em uma formação fechada. Essa era a vingança deles. Uma maravilha. Eu não precisava correr ao redor da pista suando a bunda nem ficar tentando arremessar uma bola estúpida de basquete por uma cesta ainda mais estúpida.
Marchávamos para lá e para cá, jovens, os sacos cheios, cheios de loucura, excitados, sem buceta, à beira da guerra. Quanto menos se acreditava na vida, menos se tinha a perder. Eu não tinha muito a perder, eu e o meu caralho mediano.
Marchávamos e compúnhamos músicas obscenas, e os bons garotos americanos do time de futebol ameaçavam nos dar uma surra, mas de alguma forma nunca o faziam. Provavelmente porque éramos maiores e mais malvados. Para mim, era maravilhoso fingir-me de nazista e em seguida proclamar que meus direitos constitucionais estavam sendo violados.
Às vezes eu me emocionava. Lembro que uma vez, durante a aula, depois de me passar no vinho, os olhos rasos d’água, eu disse:
Prometo a vocês que essa dificilmente será a última guerra. Tão logo um inimigo caia, de alguma forma outro surgirá. Não há fim nem sentido nisso tudo. Não existe essa coisa de guerra boa ou má.
Em outra ocasião, havia um comunista falando em um palanque erguido em uma área verde ao sul do campus. Era um garoto muito sério com óculos sem armação, espinhas, vestindo um suéter preto com furos nos cotovelos. Fiquei ouvindo o que ele dizia e tinha comigo alguns de meus seguidores. Um deles era um Russo Branco, Zircoff, seu pai ou seu avô foram mortos pelos Vermelhos na Revolução Russa. Ele me mostrou um saco de tomates podres.
Quando você der a ordem – ele me disse –, começaremos a atirar.
Percebi então que meus seguidores não estavam ouvindo o discurso, ou que, mesmo que estivessem ouvindo, nada do que ele dissesse importaria. Suas mentes estavam decididas. A maioria do mundo estava assim. De repente, ter um pau mediano não parecia ser o pior pecado do mundo.
Zircoff – eu disse –, deixe os tomates de lado.
Porra – ele disse. – Queria que fossem granadas.
Perdi o controle dos meus homens naquele dia e fui embora caminhando assim que eles começaram a arremessar seus tomates podres.

Fui informado de que um novo partido de vanguarda estava para se formar. Recebi um endereço em Glendale e fui até lá naquela noite. Sentamo-nos no porão de uma casa grande com nossas garrafas de vinho e nossos caralhos de tamanhos variados.
Havia um palanque e uma mesa com uma bandeira americana bem grande desfraldada na parede de trás. Um garoto americano de aspecto saudável caminhou até o palanque e sugeriu que começássemos saudando a bandeira, jurando-lhe lealdade.
Nunca gostei de jurar lealdade à bandeira. Era aborrecido e idiota demais. Sempre me senti mais confortável jurando lealdade a mim mesmo, mas lá estávamos, e nos levantamos e fizemos a coisa toda. Então, depois, houve uma pequena pausa, e todos se sentaram como que se sentindo levemente molestados.
O americano saudável começou a falar. Reconheci-o como um gordo que sentava na primeira fila na aula de escrita teatral. Nunca confiei nesses tipos. Idiotas. Estritamente idiotas. Ele começou:
A ameaça comunista deve ser contida. Estamos aqui reunidos para tomar medidas que levem a isso. Daremos passos legais e talvez ilegais para atingirmos nossa meta...
Não me lembro muito do resto. Não me importava muito com a ameaça comunista ou com a ameaça nazista. Queria me embebedar, foder, queria uma boa refeição, cantar diante de um copo de cerveja em um bar sujo e fumar um cigarro. Eu não estava conscientizado. Eu era um tolo, uma peça na engrenagem.
Mais tarde, Zircoff, eu e um ex-seguidor fomos até Westlake Park e alugamos um barco e tentamos pegar um pato para o jantar. Arranjamos um jeito de ficar muito bêbados e não pegamos um pato e descobrimos que não tínhamos dinheiro suficiente com a gente para pagar o aluguel do barco.
Ficamos flutuando pelo lago raso e jogamos roleta russa com a arma de Zircoff e tivemos sorte. Então Zircoff se levantou na bebedeira da madrugada e atirou no fundo do barco. A água começou a entrar e nos apressamos para tentar chegar à margem. A um terço do caminho, o barco afundou e tivemos que sair e molhar nossos rabos para alcançar terra firme. No fim a noite acabou bem e não se poderia dizer que foi perdida.
Banquei o nazista por mais um tempo ainda, sem dar realmente bola para os nazistas, muito menos para os comunistas ou para os americanos. Mas estava perdendo o interesse. Na verdade, desisti pouco antes de Pearl Harbour. A diversão tinha acabado. Sentia que a guerra aconteceria e eu não tinha muita vontade de ser um combatente e também não queria ser um oposicionista conscientizado. Tudo isso era uma merda. Eu era inútil. Eu e meu pau mediano estávamos em apuros.
Sentei na sala de aula sem falar, esperando. Os alunos e os instrutores me alfinetavam. Tinha perdido minha motivação, meu gás, meu combustível. Senti que a coisa toda fugira do meu controle. A coisa aconteceria. Todos os caralhos estavam em apuros.
Minha professora de inglês, uma senhora muito agradável com belas pernas, me pediu, certa vez, para ficar depois da aula.
O que está acontecendo, Chinaski? – ela perguntou.
Desisti – eu disse.
Refere-se à política? – perguntou.
Sim – respondi.
Você daria um bom marinheiro – ela disse.
Saí caminhando…

Eu estava sentado com o meu melhor amigo, um fuzileiro naval, em um bar no centro bebendo cerveja quando aconteceu. Um aparelho de rádio estava tocando música, houve uma pausa. Disseram-nos que Pearl Harbour tinha sido bombardeada. Foi anunciado que todos os militares deviam voltar a suas bases. Meu amigo pediu que eu tomasse o ônibus para San Diego com ele, sugerindo que poderia ser a última vez que o veria. Ele estava certo.

Charles Bukowski, in Ao sul de lugar nenhum

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