Quem
disse a Manuel que ele naquele dia fazia cem anos foi a sua vizinha,
dona Adelina.
“Como
você sabe?”, perguntou Manuel.
“Sei
a idade de todos os vizinhos. Quer que eu lhe diga?”
Manuel
foi até o cubículo da casa que ele chamava de escritório, fuçou a
papelada e achou a certidão. Dona Adelina estava certa. Ele fazia
cem anos naquele dia.
“Não
vai comemorar? Cem anos merecem uma comemoração”, disse dona
Adelina, quando se encontraram novamente.
“Comemorar
como? Todos os meus parentes e amigos morreram.”
Manuel
morava na mesma casa há muitos anos. Os móveis eram os mesmos, os
livros eram os mesmos, só as toalhas, os lençóis e as cuecas não
eram muito velhos. Até o clister era o mesmo. Antigamente as coisas
duravam, pensou Manuel, agora todo ano sai uma nova versão do mesmo
produto, dizem que esse é um método de comércio denominado
obsolescência planejada. Então, subitamente lembrou que clister era
uma palavra que vinha do grego, significando seringa.
Ele
sofria de prisão de ventre e fazia o clister diariamente. O seu
aparelho era uma espécie de jarra de vidro, com uma pequena torneira
que abria e fechava, na qual era colocado um tubo comprido de
borracha com um recipiente na ponta. Ele enchia a jarra com um
líquido especial e deitado sobre o lado esquerdo introduzia o
recipiente no ânus e abria a torneira da jarra, permitindo que o
líquido entrasse nos seus intestinos, até sentir vontade de
evacuar.
Mas
essa não pode ser a maneira de comemorar os meus cem anos, eu faço
isso há dezenas e dezenas de anos, pensou.
Cem
anos não se comemoram. Cem anos de quê? A vida é um sofrimento
contínuo, o corpo sofre, a mente sofre, doenças — e ele pensou em
todas as doenças que existiam, eram tantas que davam para encher um
livro de quinhentas páginas. Era isso que ele ia comemorar?
Então
teve uma ideia. A melhor maneira de comemorar cem anos é morrendo na
cama sem incomodar ninguém.
“Vou
deitar e morrer”, decidiu. Deitou
na cama e morreu. Mas antes teve a consciência de uma sensação de
bem-estar. Ele estava feliz.
Rubem
Fonseca, in Histórias curtas
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