domingo, 7 de junho de 2020

Leitura: redação

Esse Marquês de Maricá do compêndio de leitura dava-nos conselhos... compendiosos... — verdadeira chatice, aliás... como se não bastassem os conselhos de casa!
Felizmente para a turma, o resto não era nada disso, pois tratava-se da Seleta em prosa e verso de Alfredo Clemente Pinto, um mundo... quero dizer, o mundo!
Logo ali, à primeira página, o bom Cristóvão Colombo equilibrava para nós o ovo famoso e, pelas tantas, vinha Nossa Senhora dar o famoso estalinho no coco duro daquele menino que um dia viria a ser o Padre Antônio Vieira.
Porém, em meio e alheio a tais miudezas, bradava o poeta Gonçalves de Magalhães:

Waterloo! Waterloo! lição sublime!”

Só esta voz parece que ficou, porque era em verso, era a magia do ritmo... e continua ressoando pelos corredores mal iluminados da memória. (Em vão tenho procurado nos sebos um exemplar da Seleta...)
Sim, havia aulas de leitura naquele tempo. A classe toda abria o livro na página indicada, o primeiro da fila começava a ler e, quando o professor dizia “adiante!”, ai do que estivesse distraído, sem atinar o local do texto! Essa leitura atenta e compulsória seguia assim, banco por banco, do princípio ao fim da turma.
E como a gente aprende a escrever lendo, da mesma forma que aprende a falar ouvindo, o resultado era que — quando necessário escrever um bilhete, uma carta — nós, os meninos, o fazíamos naturalmente, ao contrário de muito barbadão de hoje. E havia, também, os ditados. E, uma vez por mês, a prova de fogo da redação. E tudo isso ainda no curso elementar. Pelo menos era assim em Alegrete. E é comovidamente que escrevo aqui o nome de meu lente de português e diretor do colégio, o saudoso professor Antônio Cabral Beirão.
Mário Quintana, in A vaca e o hipogrifo

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