quarta-feira, 10 de junho de 2020

Eles


Agora meu nome é José João. Ando pelas ruas, procurando. Sim, fugindo também. Não vou dizer o que estou procurando, nem de quem estou fugindo. Só posso dizer que procurei nas ourivesarias, na loja de bolsas, nas latrinas, nos parques, nos carros estacionados nas ruas, nas cestas de mercadorias dos supermercados, nos carrinhos de pipoca.
Encontrarei o que procuro?
Eles que me procuram encontrarão?
Às vezes sinto como se estivesse desmoronando. Fico um tempo desmantelado, sentado num banco da praça. As praças existem para isso. Bancos e estátuas e plantas. Árvores. Procurei nos galhos. Nem passarinho encontrei.
Sentado na praça? Eu devia estar maluco, na praça eles me achariam, eles não desistem, eles com aquela roupa branca parecem uns fantasmas.
Eu gostaria de poder me esconder na casa de um dos meus parentes, mas os parentes nem mesmo me visitavam, como iam ceder a casa para eu me esconder?
Eu corria perigo. Estúpido, andando na calçada de uma rua larga. Eu tinha que estar escondido num arbusto, aqueles com seis metros de altura. Mas na rua, na rua! Na rua eu corria perigo.
O carro parou perto de mim.
Saltaram dois homens, eles, eles, eles, com aquela roupa branca. Eles nunca tiram aquela roupa branca.
Um deles me segurou pelo braço. Eles têm uma maneira de segurar você pelo braço que não machuca, mas, se você quer se soltar, não consegue.
Vamos, senhor Antonio, vamos.”
Meu nome não é Antonio, é José João.”
Sim, senhor José João. Vamos, por favor, vamos para o hospital.”
Ele me segurava pelo braço daquela maneira. Não adiantava eu querer me soltar.
Acho que me deram a injeção dentro do carro.
Eles vivem me dando injeções.
Estou na cama, com aquela camisola que deixa a minha bunda de fora.
Um deles entrou no quarto.
Está na hora da sua injeção.”
Rubem Fonseca, in Histórias curtas

Nenhum comentário:

Postar um comentário