sexta-feira, 6 de setembro de 2019

O ovo inquieto

Era uma vez um ovo. Já disse alguém, talvez tenha sido eu mesmo, que o ovo é a mais perfeita forma da Criação. Assim vivia ele, elipsoidal e único, sereno como se tivesse atingido o Nirvana ou essa ausência de si a que alguns fanáticos chamam estranhamente de meditação, e ainda por cima transcendental. Nada disso! Tão consciente ele era que, sendo ovo de galinheiro, tinha um receio pavoroso de ficar choco e virar uma dessas aves cacofônicas — as únicas, em toda a natureza, que cantam sem música, pois até mesmo o pássaro-ferreiro, na sua estridência, tem uma bela harmonia metálica. Pensando nesse perfeito e inquieto ovo é que acabo de pedir uma omelete no restaurante. Talvez ele faça parte do conteúdo dela... Antes assim, meu amigo, antes assim!
Mário Quintana, in A vaca e o hipogrifo

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