segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Capítulo 124 - Vá de intermédio

Que há entre a vida e a morte? Uma curta ponte. Não obstante, se eu não compusesse este capítulo, padeceria o leitor um forte abalo, assaz danoso ao efeito do livro. Saltar de um retrato a um epitáfio, pode ser real e comum; o leitor, entretanto, não se refugia no livro, senão para escapar à vida.
Não digo que este pensamento seja meu; digo que há nele uma dose de verdade, e que, ao menos, a forma é pitoresca. E repito: não é meu.
Vá de intermédio, e contemos a este propósito de uma anedota. Foi no tempo da minha vida parlamentar; éramos cinco; falávamos de coisas e lousas, e aconteceu tocar nos negócios do Rio da Prata. Então, disse um: - O governo não deve esquecer que o dinheiro é o nervo da guerra. Ao que eu redargui que não, que o nervo da guerra eram os bons soldados. Um dos ouvintes coçou o nariz, outro consultou o relógio, o terceiro tamborilou sobre o joelho, o quarto deu algumas pernadas pela sala, o quinto era eu. Mas, continuando a falar, ponderei que esta ideia, inteiramente justa, não era minha, e sim de Machiavelli; circunstância que levou o primeiro a não coçar o nariz, o segundo a não consultar o relógio, o terceiro a não tamborilar sobre o joelho, e o quarto a não dar pernadas; e todos me rodearam, e me pediram que repetisse o dito, e repeti, e eles extasiavam-se, e batiam com a cabeça aprovando, saboreando, decorando. O que estimei, porque fui sempre amador de ideias justas. […].
Machado de Assis, in Memórias póstumas de Brás Cubas

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