Que
há entre a vida e a morte? Uma curta ponte. Não obstante, se eu não
compusesse este capítulo, padeceria o leitor um forte abalo, assaz
danoso ao efeito do livro. Saltar de um retrato a um epitáfio, pode
ser real e comum; o leitor, entretanto, não se refugia no livro,
senão para escapar à vida.
Não
digo que este pensamento seja meu; digo que há nele uma dose de
verdade, e que, ao menos, a forma é pitoresca. E repito: não é
meu.
Vá
de intermédio, e contemos a este propósito de uma anedota. Foi no
tempo da minha vida parlamentar; éramos cinco; falávamos de coisas
e lousas, e aconteceu tocar nos negócios do Rio da Prata. Então,
disse um: - O governo não deve esquecer que o dinheiro é o nervo da
guerra. Ao que eu redargui que não, que o nervo da guerra eram os
bons soldados. Um dos ouvintes coçou o nariz, outro consultou o
relógio, o terceiro tamborilou sobre o joelho, o quarto deu algumas
pernadas pela sala, o quinto era eu. Mas, continuando a falar,
ponderei que esta ideia, inteiramente justa, não era minha, e sim de
Machiavelli; circunstância que levou o primeiro a não coçar o
nariz, o segundo a não consultar o relógio, o terceiro a não
tamborilar sobre o joelho, e o quarto a não dar pernadas; e todos me
rodearam, e me pediram que repetisse o dito, e repeti, e eles
extasiavam-se, e batiam com a cabeça aprovando, saboreando,
decorando. O que estimei, porque fui sempre amador de ideias justas.
[…].
Machado
de Assis, in Memórias póstumas de Brás Cubas
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