O
processo pelo qual nos tornamos desiludidos? Um indivíduo dotado de
elan consegue viver um grande número de depressões a cada
instante. Uma fatalidade orgânica provoca depressões permanentes
sem determinantes exteriores, mas que emergem de uma profunda
perturbação interna; estas sufocam o elan, atacam as raízes
da vida. Dizer que alguém se torna desiludido em razão de alguma
deficiência orgânica ou de instintos empobrecidos é totalmente
errôneo. Na realidade, somente perde suas ilusões aquele que
desejou a vida com ardor, ainda que inconscientemente. O processo de
desvitalização não tarda, vindo logo após as depressões. Somente
junto a um indivíduo cheio de elan, de aspirações e
paixões, que as depressões atingem esta capacidade de erosão, que
circunda a vida como ondas a terra firme. Junto ao simples
deficiente, elas não produzem nenhuma tensão, nenhum paroxismo ou
excesso; elas conduzem a um estado de apatia, de lenta extinção. O
pessimista apresenta um paradoxo orgânico, cujas contradições
insuperáveis engendram uma profunda efervescência. Não há, com
efeito, um paradoxo nesta mistura de depressões repetidas e de
persistente elan? Que as depressões acabam por consumir o
elan e comprometer sua vitalidade, isto vai de si. Ninguém
poderia combatê-las definitivamente: pode-se, no máximo,
substituí-las temporariamente por uma ocupação ou distração.
Apenas uma vitalidade inquieta é suscetível de favorecer o paradoxo
orgânico da negação. Somente é possível tornar-se pessimista -
um pessimista demoníaco, elemental, bestial e orgânico - uma vez
que a vida tenha perdido sua batalha desesperada contra as
depressões. O destino aparece então à consciência como uma versão
do irreparável.
Emil
Cioran, in Nos cumes do desespero
Nenhum comentário:
Postar um comentário