sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Capitulação

O processo pelo qual nos tornamos desiludidos? Um indivíduo dotado de elan consegue viver um grande número de depressões a cada instante. Uma fatalidade orgânica provoca depressões permanentes sem determinantes exteriores, mas que emergem de uma profunda perturbação interna; estas sufocam o elan, atacam as raízes da vida. Dizer que alguém se torna desiludido em razão de alguma deficiência orgânica ou de instintos empobrecidos é totalmente errôneo. Na realidade, somente perde suas ilusões aquele que desejou a vida com ardor, ainda que inconscientemente. O processo de desvitalização não tarda, vindo logo após as depressões. Somente junto a um indivíduo cheio de elan, de aspirações e paixões, que as depressões atingem esta capacidade de erosão, que circunda a vida como ondas a terra firme. Junto ao simples deficiente, elas não produzem nenhuma tensão, nenhum paroxismo ou excesso; elas conduzem a um estado de apatia, de lenta extinção. O pessimista apresenta um paradoxo orgânico, cujas contradições insuperáveis engendram uma profunda efervescência. Não há, com efeito, um paradoxo nesta mistura de depressões repetidas e de persistente elan? Que as depressões acabam por consumir o elan e comprometer sua vitalidade, isto vai de si. Ninguém poderia combatê-las definitivamente: pode-se, no máximo, substituí-las temporariamente por uma ocupação ou distração. Apenas uma vitalidade inquieta é suscetível de favorecer o paradoxo orgânico da negação. Somente é possível tornar-se pessimista - um pessimista demoníaco, elemental, bestial e orgânico - uma vez que a vida tenha perdido sua batalha desesperada contra as depressões. O destino aparece então à consciência como uma versão do irreparável.
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

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