Meus
raros amigos de Alagoas:
Depois
de longa ausência, aqui me vejo a conversar com vocês, como se nos
achássemos em Palmeira dos Índios, na Imprensa Oficial, no café do
Cupertino ou numa das redações onde batíamos papo. Não sei bem se
a conversa é impertinente. Uma única vez, depois de nos separarmos,
tive ensejo de falar sobre pessoas e fatos alagoanos: referi-me a
Nelson Flores, a Pedro Lima e às enchentes, mas parece que estes
assuntos foram aí considerados impróprios.
Arrisco-me
a nova palestra, ou antes sou obrigado a ela. Nestes últimos dez
anos o mundo tem dado tantas voltas que estive a ponto de fazer uma
viagem a Alagoas, só abandonando a ideia porque, tendo aqui aportado
em porão de navio muito vagabundo, não achei conveniente regressar
num aeroplano. Perdoem-me a citação de pequeninos casos pessoais,
absolutamente desprovidos de interesse. Mas convém talvez
lembrá-los.
Não
é que resolveram fazer de mim candidato a deputado? Vejam só. Pois
nesse caráter dirijo-me a vocês — duas dúzias de pessoas, se
tanto, o público de que disponho na terra dos marechais e dos
generais. Seria adequado exibir-lhes um rol de serviços notáveis,
expor diversas obras realizadas e outras possíveis, mas receio que
alguém se engane e vote em mim julgando-me sujeito importante, um
desses operadores de milagres nunca percebidos. Vocês sabem que não
levei o S. Francisco a Quebrangulo, feito aí já praticado com honra
e glória.
Aludo,
portanto, à minha saída, em 1936, dessa província, caso
minguadamente glorioso, que pouco me recomenda à simpatia do
eleitor. E com isto declaro não desejar pertencer a qualquer
instituição em que seja necessário fazer discursos.
— Uvas
verdes, pensarão vocês.
De
modo nenhum, pois venho pedir — incongruência aparente, que
desmancho com esta explicação. Entre ser literato medíocre ou
deputado insignificante, prefiro continuar na literatura e na
mediocridade. E digo isto sem falsa modéstia. Reparem no sentido
exato das palavras. Não considero a minha literatura insignificante:
ela é apenas medíocre e, por conseguinte, mais ou menos aceitável.
Na livraria sinto-me à vontade. Mas na Câmara é certo que me
dariam papel bem chinfrim. Nenhuma conveniência em mudar de ofício
neste fim de vida.
Está
explicada, suponho, a desambição carecente de valor. Contudo, se me
falta o desejo de passar algumas horas por dia cochilando, rosnando
apartes chochos, isto não quer dizer que feche os olhos à política
nacional e encolha os ombros à eleição. Entreguei-me de corpo e
alma a um Partido, o único, estou certo, capaz de livrar-nos da
miséria em que vivemos, e este Partido apresenta-se às urnas. Sou
forçado a solicitar a vocês, para os nossos candidatos (os outros:
insisto em declarar-me isento de pretensões), os vinte e quatro
votos que estão dispostos a conceder-me.
Examinem
as chapas dos partidos reacionários. Só existem nelas, em toda a
parte, figuras da classe dominante. Nós, comunistas, escolhemos
gente da burguesia e do proletariado: operários, camponeses,
militares, industriais, comerciantes, artistas, professores, médicos,
engenheiros, jornalistas, advogados, escritores. Quando nos
preparamos para dar ao país uma Constituição, não é razoável
agora que ela seja uma Constituição de proprietários.
Vocês,
meus excelentes amigos, poderiam contribuir para se afastarem da nova
carta alguns desses artigos ou parágrafos em que os infelizes se
apertam como em torniquetes. Realmente vocês são bem pouco
numerosos. Mas cada um, nestes breves dias que nos restam, convencerá
facilmente uma tia ou comadre, que influirá na vizinha com rapidez —
e assim por diante. Serão eleitas pessoas que representem o Estado.
Porque até hoje — com franqueza — que foi que os nossos
deputados representaram?
Com
isto, meus velhos amigos, despeço-me de vocês e envio-lhes muitos
abraços.
Graciliano
Ramos, in Revista do Povo: Cultura e Orientação Popular,
janeiro de 1946
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