A
Raquel, minha filha, tinha pouco mais de dois anos. Entrou no meu
quarto e me sacudiu até que eu acordasse. Aí ela me olhou e fez a
pergunta que a atormentava e a tirara da cama. “Papai, quando você
morrer vai sentir saudades?”. Tão pequena e já sabia que uma
grande separação nos aguarda! Onde ela aprendera aquilo? Ela nunca
tivera experiência alguma com a morte! Talvez a consciência da
morte já nasça conosco, não sendo coisa que se precisa aprender.
Mais do que isso: ela sabia que morrer é ir para muito longe, para o
lugar onde mora a saudade sem retorno. Ter de morrer é estar
condenado à saudade... Fiquei mudo de espanto, não sabia o que
dizer. Ela então me salvou da minha perplexidade. “Não chore. Eu
vou te abraçar...”, ela me disse como consolo. Esse incidente me
levou a escrever a estória A montanha encantada dos gansos
selvagens, em que esse diálogo é preservado.
Rubem
Alves, in Do universo à jabuticaba
Nenhum comentário:
Postar um comentário