A
eternidade apenas se deixa ser compreendida enquanto experiência,
como algo de vivido. Concebê-la objetivamente não tem nenhum
sentido para o indivíduo, pois sua finitude temporal não lhe
permite considerar uma duração infinita, um processo ilimitado. A
experiência da eternidade depende da intensidade das reações
subjetivas; a entrada na eternidade somente pode ser cumprida
transcendendo-se a temporalidade. Deve-se conduzir um combate áspero
e intenso contra o tempo para que ele apenas permaneça - uma vez
vencida a miragem da sucessão de momentos - a vivência exasperada
do instante, que nos precipita diretamente rumo ao atemporal. Como a
imersão absoluta no instante concede-nos tal acesso? A percepção
do porvir resulta da insuficiência dos instantes, de sua
relatividade: todos aqueles que são dotados de uma consciência
afiada da temporalidade vivem cada segundo pensando no seguinte.
Somente se tem acesso à eternidade, por outro lado, suprimindo-se
toda correlação, vivendo-se cada instante de maneira absoluta. Toda
a experiência da eternidade supõe um salto e uma transfiguração,
pois muito poucos são capazes da tensão necessária para atingir
esta paz serena que se encontra na contemplação do eterno. Não é
a duração, mas a potência desta contemplação que mais importa. O
retorno às vivências habituais não diminui em nada a fecundidade
desta intensa experiência. A frequência da contemplação é
essencial - só a repetição permite atingir a embriaguez da
eternidade, onde as volúpias têm algo de supra-terrestre, uma
transcendência radiante. Isolando cada instante na sucessão,
concedemos-lhe um caráter absoluto, mas que permanece puramente
subjetivo, sem qualquer elemento de irrealidade ou fantasia. Na
perspectiva da eternidade, o tempo é, com seu cortejo de instantes
individuais, senão irreal, ao menos insignificante em vista das
realidades essenciais.
A
eternidade faz com que vivamos sem lamentar ou esperar o que quer que
seja. Viver cada momento por ele mesmo - isto é exceder a
relatividade do gosto e das categorias, distanciar-se da imanência
em que nos encerra a temporalidade. O viver imanente à vida é
impossível sem o viver simultâneo no tempo, pois a vida como
atividade dinâmica e progressiva exige a temporalidade: privada
desta, ela perde seu caráter dramático. Quanto mais a vida é
intensa, mais o tempo se torna essencial e revelador. Além disso, a
vida apresenta uma multiplicidade de direções e de arroubos
que somente podem ser empregados no tempo. Falando da vida, nós
mencionamos instantes; falando da eternidade - o instante. Não há
uma ausência de vida na experiência da eternidade, nesta vitória
sobre o tempo, nesta transcendência dos momentos? Uma transfiguração
opera-se, um desvio súbito da vida rumo a um plano diferente, no
qual a antinomia e a dialética das tendências vitais estão como
que purificadas. Aqueles que são predispostos à contemplação da
eternidade, tais como os mestres orientais, ignoram nosso áspero
combate para transcender o tempo, ignoram nossos esforços de
interiorização - nós que estamos profundamente contaminados pela
temporalidade. A contemplação da própria eternidade é para nós
uma fonte de sedutoras visões e de estranhos encantamentos. Tudo é
permitido ao indivíduo dotado da consciência da eternidade, pois,
para ele, as diferenciações fundam-se numa imagem de monumental
serenidade, que parece o resultado da paixão que se sente por uma
mulher, por seu próprio destino ou por seu desespero; mas a
propensão que se tem pelas regiões da eternidade atrai uma espécie
de élan para a paz de uma luz estelar.
Emil
Cioran, in Nos cumes do desespero
Nenhum comentário:
Postar um comentário