segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Solidão individual e solidão cósmica

Podemos conceber duas formar de experimentar a solidão: sentir-se só no mundo ou sentir a solidão do mundo. Quem se sente só vive um drama puramente individual - o sentimento do abandono pode advir na mais esplêndida situação. Ser jogado neste mundo, incapaz de adaptar-se, destruído por suas próprias deficiências ou exaltações, indiferente aos aspectos exteriores - sejam eles sombrios ou brilhantes - para permanecer pregado a seu drama interior, eis o que significa a solidão individual. Mas o sentimento da solidão cósmica procede menos de um tormento puramente subjetivo do que da sensação do abandono deste mundo, de um vazio objetivo. Como se o mundo tivesse perdido subitamente todo o brilho para evocar a monotonia essencial de um cemitério. Muitos são torturados pela visão de um universo abandonado, irremediavelmente consagrado a uma solidão glacial, que mesmo os fracos reflexos de um luar do crepúsculo não saberiam atingir. Quais são, então, os mais infelizes: aqueles que sentem a solidão em si mesmos ou aqueles que a sentem no exterior? Impossível de responder. E depois, por que me constrangeria a estabelecer uma hierarquia na solidão? Já não é o bastante estar só? 
 
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Afirmo aqui, na intenção de todos aqueles que me sucederão, que eu não tenho nada em que posso crer na terra e que a salvação reside no esquecimento. Eu adoraria poder esquecer tudo, esquecer-me de mim mesmo e do mundo inteiro. As verdadeiras confissões escrevem-se com lágrimas. Mas as minhas bastariam para afogar este mundo, assim como meu fogo interior seria o suficiente para incendiá-lo. Eu não preciso de nenhum apoio, de nenhum encorajamento, nem de qualquer compaixão, pois, por mais caído que eu seja, sinto-me poderoso, duro, feroz! Eu sou, com efeito, o único homem a viver sem esperança. Eis o ápice do heroísmo, seu paroxismo e seu paradoxo. A loucura suprema! Eu deveria canalizar a paixão caótica e informe que me habita, a fim de tudo esquecer, de não ser mais nada, de me liberar do saber e da consciência. Se eu devo ter uma esperança, esta seria a do esquecimento absoluto. Mas não se trata antes de um desespero? Esta “esperança” não constitui a sua própria negação? Eu não quero mais saber de nada, nem mesmo do fato de nada saber. Por que tantos problemas, discussões e arrebatamentos? Por que uma tal consciência da morte? Alto à filosofia e ao pensamento!
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

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