segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Assistente de mágico

Tinha as artistas de cinema, claro. As americanas. As francesas. Meu Deus, as italianas. Poucas suecas. Uma ou outra latino-americana. E as nacionais. Andavam pelos seus sonhos, algumas com mais roupa do que outras, e você sabia tudo sobre elas. Medidas, hábitos, cor favorita, último caso, tudo. Eram ao mesmo tempo íntimas e universais, só suas e de todo o mundo. Existiam para isso, para serem suas amantes imaginárias, compartilhadas com toda a sua geração. O cinema as distribuía em partes iguais, e cada adolescente perebento que sonhasse com sua parte como quisesse.
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Mas também tinha as que não eram do cinema. As que não eram servidas numa tela grande para o consumo da sua imaginação. Você as via ao vivo, algumas mais ao vivo do que outras. Por exemplo: contorcionistas. Você raramente sabia mais da contorcionista do que via no palco ou no picadeiro: os shortinhos e o bustiê cravejados e o que ela fazia, incrivelmente, com o próprio corpo. Não sabia seu nome, podia apenas adivinhar sua história e sua vida e nem imaginar como a possuiria se, por acaso, ela aparecesse na sua cama depois do espetáculo. Isto vai onde, e como é possível eu estar beijando os seus pés e você mordiscando a minha orelha? Bailarinas. A quarta a contar da direita, a moreninha. A que, você tem certeza, está olhando para você. A que descobriu o seu rosto no meio da plateia e também se apaixonou, e quer ter um filho seu, mas de quem você jamais saberá nada.
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Mas, confesse. Você tinha uma predileção especial por assistente de mágico. Assistente de mágico é sempre linda, mas não é só isso. Assistente de mágico sorri muito e tem grandes coxas, mas não é só isso. Assistente de mágico nunca tem muito o que fazer. Segura a capa do mágico e, eventualmente, enfia as espadas no baú em que ele se meteu, mas na maior parte do tempo só fica fazendo poses — e no entanto era a coisa mais espantosa do espetáculo, mais do que qualquer truque do mágico, pelo menos para você. Mas também não era só isso. O mais irresistível da assistente de mágico era que nada a impressionava. Nada afetava a sua pose. O mágico tirava moedas de ouro do nariz e ela sorria. O mágico transformava um lenço branco numa pomba branca e a pomba numa rosa branca, que dava para a assistente, e ela pegava a rosa branca como se todas as flores tivessem aquela vida pregressa, qual era a novidade? Sorrindo o mesmo sorriso. O mágico pulava, sem um arranhão, de dentro do baú trespassado por espadas, e ela sorria. Se o mágico saísse em tiras sangrentas de dentro do baú sua pose não mudaria, e ela o acompanharia na ambulância com o mesmo sorriso.
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Você podia sonhar com artistas de cinema e trapezistas, colegas de escola e vizinhas, primas e executivas, mas com as assistentes de mágico sua imaginação emperrava. Assistentes de mágico não eram para qualquer perebento. Você sabia que os mágicos faziam seus truques para suas assistentes. Era para tentar impressioná-las que inventavam mágicas cada vez mais elaboradas, escrivaninhas que viravam rinocerontes, títulos e debêntures do nariz, o coração tirado do peito e pulando pelo palco feito um sapo — e elas indiferentes, sorrindo, o pensamento longe. Assistente de mágico era o supremo desafio para os seus hormônios descapados. Você fisgava bailarinas só com um olhar fixo. Só a distância separava qualquer top model do mundo do seu colchão. Mas era impossível pensar no que comoveria uma assistente de mágico, a ponto de ela envolver seu corpo com suas grandes coxas e dizer “uau”. Assistentes de mágico pertenciam a outra raça. Nenhum homem as conquistaria, ainda mais você, uma ereção cercada de ilusões. Eram treinadas para jamais dizerem “uau”.
Luís Fernando Veríssimo, in Amor veríssimo

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