Tinha
as artistas de cinema, claro. As americanas. As francesas. Meu Deus,
as italianas. Poucas suecas. Uma ou outra latino-americana. E as
nacionais. Andavam pelos seus sonhos, algumas com mais roupa do que
outras, e você sabia tudo sobre elas. Medidas, hábitos, cor
favorita, último caso, tudo. Eram ao mesmo tempo íntimas e
universais, só suas e de todo o mundo. Existiam para isso, para
serem suas amantes imaginárias, compartilhadas com toda a sua
geração. O cinema as distribuía em partes iguais, e cada
adolescente perebento que sonhasse com sua parte como quisesse.
*
* *
Mas
também tinha as que não eram do cinema. As que não eram servidas
numa tela grande para o consumo da sua imaginação. Você as via ao
vivo, algumas mais ao vivo do que outras. Por exemplo:
contorcionistas. Você raramente sabia mais da contorcionista do que
via no palco ou no picadeiro: os shortinhos e o bustiê cravejados e
o que ela fazia, incrivelmente, com o próprio corpo. Não sabia seu
nome, podia apenas adivinhar sua história e sua vida e nem imaginar
como a possuiria se, por acaso, ela aparecesse na sua cama depois do
espetáculo. Isto vai onde, e como é possível eu estar beijando os
seus pés e você mordiscando a minha orelha? Bailarinas. A quarta a
contar da direita, a moreninha. A que, você tem certeza, está
olhando para você. A que descobriu o seu rosto no meio da plateia e
também se apaixonou, e quer ter um filho seu, mas de quem você
jamais saberá nada.
*
* *
Mas,
confesse. Você tinha uma predileção especial por assistente de
mágico. Assistente de mágico é sempre linda, mas não é só isso.
Assistente de mágico sorri muito e tem grandes coxas, mas não é só
isso. Assistente de mágico nunca tem muito o que fazer. Segura a
capa do mágico e, eventualmente, enfia as espadas no baú em que ele
se meteu, mas na maior parte do tempo só fica fazendo poses — e no
entanto era a coisa mais espantosa do espetáculo, mais do que
qualquer truque do mágico, pelo menos para você. Mas também não
era só isso. O mais irresistível da assistente de mágico era que
nada a impressionava. Nada afetava a sua pose. O mágico tirava
moedas de ouro do nariz e ela sorria. O mágico transformava um lenço
branco numa pomba branca e a pomba numa rosa branca, que dava para a
assistente, e ela pegava a rosa branca como se todas as flores
tivessem aquela vida pregressa, qual era a novidade? Sorrindo o mesmo
sorriso. O mágico pulava, sem um arranhão, de dentro do baú
trespassado por espadas, e ela sorria. Se o mágico saísse em tiras
sangrentas de dentro do baú sua pose não mudaria, e ela o
acompanharia na ambulância com o mesmo sorriso.
*
* *
Você
podia sonhar com artistas de cinema e trapezistas, colegas de escola
e vizinhas, primas e executivas, mas com as assistentes de mágico
sua imaginação emperrava. Assistentes de mágico não eram para
qualquer perebento. Você sabia que os mágicos faziam seus truques
para suas assistentes. Era para tentar impressioná-las que
inventavam mágicas cada vez mais elaboradas, escrivaninhas que
viravam rinocerontes, títulos e debêntures do nariz, o coração
tirado do peito e pulando pelo palco feito um sapo — e elas
indiferentes, sorrindo, o pensamento longe. Assistente de mágico era
o supremo desafio para os seus hormônios descapados. Você fisgava
bailarinas só com um olhar fixo. Só a distância separava qualquer
top model do mundo do seu colchão. Mas era impossível pensar no que
comoveria uma assistente de mágico, a ponto de ela envolver seu
corpo com suas grandes coxas e dizer “uau”. Assistentes de mágico
pertenciam a outra raça. Nenhum homem as conquistaria, ainda mais
você, uma ereção cercada de ilusões. Eram treinadas para jamais
dizerem “uau”.
Luís
Fernando Veríssimo, in Amor veríssimo
Nenhum comentário:
Postar um comentário