O
joão-de-barro já estava arrependido de acolher em casa a fêmea que
lhe pedira agasalho em caráter de emergência. Ela se desentendera
com o companheiro e este a convidara a retirar-se. Não tendo
habilidades de construtor, recorreu à primeira casa de joão-de-barro
que encontrou, e o dono foi generoso, abrigando-a.
Sucede
que o joão-de-barro era misógino, e construíra a habitação para
seu uso exclusivo. A presença insólita perturbava seus hábitos. Já
não sentia prazer em voar e descansar, e sabe-se como os
joões-de-barro são joviais. A fêmea insistia em estabelecer com
ele o dueto de gritos musicais, e parecia inclinada a ir mais longe,
para grande aborrecimento do solitário.
Então
ele decidiu pedir o auxílio de um colega a fim de se ver livre da
importuna. O amigo estava justamente tomando as primeiras
providências para fazer casa. “Antes de prosseguir, você vai me
fazer um obséquio”, disse-lhe. “Vamos até lá em casa e veja se
conquista uma intrusa que não quer sair de lá.”
O
segundo joão-de-barro atendeu ao primeiro e, no interior da casa
deste, cativou as graças da ave. Achou-se tão bem lá que não quis
mais sair. Para que iria dar-se ao trabalho de construir casa, se já
dispunha daquela, com amor a seu lado?
Assim
quedaram os três, e o dono solteirão, sem força para reagir,
tornou-se serviçal do par, trazendo-lhe alimentos e prestando
pequenos serviços. Ainda bem que construíra uma casa espaçosa —
suspirava ele.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos Plausíveis
foi muito util
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