A
preocupação com o sistema e com a unidade não foi e nem jamais
será o lote daqueles que escrevem nos momentos de inspiração,
quando o pensamento se torna uma expressão orgânica obediente aos
caprichos dos nervos. A unidade perfeita e a busca por um sistema
coerente indicam uma vida pessoal pobre em recursos, uma vida
esquemática e rasa da qual estão ausentes a contradição, a
gratuidade e o paradoxo. Somente as contradições essenciais e as
antinomias interiores são testemunhas de uma vida espiritual
fecunda, pois somente elas fornecem ao fluxo e à abundância
internas uma possibilidade de realização. Aqueles que têm poucos
estados de alma e ignoram a experiência dos confins não podem se
contradizer, uma vez que suas tendências reduzidas não saberiam
opôr-se. Aqueles que, ao contrário, sentem intensamente o ódio, o
desespero, o caos, o nada ou o amor, que cada experiência consome e
precipita em direção à morte; aqueles que não podem respirar
abaixo dos cumes e que estão sempre sós, ainda mais quando estão
cercados de gente - como poderiam seguir uma evolução linear ou
cristalizar-se em sistema? Tudo aquilo que é forma, sistema,
categoria, plano ou esquema procede de um déficit dos conteúdos, de
uma carência de energia interior, de uma esterilidade da vida
espiritual. As grandes tensões desta vida conduzem ao caos, a uma
exaltação vizinha da demência. Não há vida espiritual fecunda
que não conheça os estados caóticos e efervescentes da doença em
seu paroxismo, quando a inspiração aparece como uma condição
essencial da criação e as contradições como manifestações da
temperatura interior. Quem quer que desaprove os estados caóticos
não é um criador - quem quer que menospreze os estados doentios não
é qualificado para falar do espírito. Somente tem valor aquilo que
surge da inspiração, do fundo irracional de nosso ser, aquilo que
brota do ponto central da nossa subjetividade. Todo produto exclusivo
do esforço e do trabalho é desprovido de valor, assim como todo
produto exclusivo da inteligência é estéril e desinteressante. Em
contraste, enfeitiça-me o espetáculo da projeção bárbara e
espontânea da inspiração, a efervescência dos estados de alma, do
lirismo essencial e de tudo aquilo que é tensão interior - todas as
coisas que fazem da inspiração a única realidade viva na ordem da
criação.
Emil
Cioran, in Nos cumes do desespero
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