Chegou cansado,
mais pelo que ainda tinha de fazer do que pelo tanto que já tinha
feito, com o peso da responsabilidade pesando em cima de sua cabeça,
e o medo e a certeza travando um duelo lá dentro. O corpo de Antônio
agora andava inclinado pra frente, puxado pela palavra obrigação,
no plural, pois eram muitas as que ele tinha. A pior de todas era a
obrigação de dar tudo certo, essa era a mãe das outras e também a
cria delas.
Se fosse pessoa
organizada, teria ido logo pra casa começar seu trabalho, mas sua
teimosia obrigou-o a passar antes na rua de baixo, só pra dar um
beijo em Karina.
Nem bem dobrou a
esquina e já viu logo que ela tinha estado todos esses dias no
portão, esperando por ele, com os olhos apertados até menos que a
metade, pra poder enxergar mais longe.
Fingiu que
acreditou que ela só foi lá fora refrescar um pouco e fez que não
reparou que seu coração estava batendo muito apressado.
E quem disse que
ela queria deixar ele ir embora mais nunca?
A falta de Antônio
tinha ensinado Karina a conhecer melhor a diferença entre querer
muito e querer somente.
Ele só conseguiu
ir pra casa com ela dormindo.
Por não saber
ninar com cantiga, botou Karina pra dormir com um exagero de
promessas, abraços e beijos, beijos, abraços e promessas, tudo isso
aos berros, de primeiro.
Como é coisa do
amor sossegar, os dois foram se acalmando aos poucos, perdendo a
pressa, descolando os pedaços um do outro, por partes.
Quando só restava
uma mecha de cabelos dele na mão dela, Antônio conseguiu escapulir
e saiu, devagar, fingindo que não estava saindo.
Chegou em casa com
o dia amanhecendo.
Antes de dormir
rezou um Santo Anjo do Senhor e ainda conversou um pouco com seu
amigo tempo, mas foi só pra acertar os detalhes da viagem.
Adriana Falcão,
in A máquina
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