segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Não na superfície da página

Quando eu falo de pessoa a pessoa, quer dizer, da pessoa-autor que sou à pessoa-leitor que o leitor é, tudo o que faço é depositar nele a inquietação para definir as mudanças que ele imagine necessárias. Porque não estou nada seguro de que estejamos, leitor e autor, de acordo. Como eu disse, escrevo para compreender, e desejaria que o leitor fizesse o mesmo, quer dizer, que lesse para compreender. Compreender o quê? Não para compreender na linha em que eu estou tentando fazer. Ele tem os seus próprios motivos e razões para compreender algo, mas esse algo ele é que determina. O que não quero é que fique na superfície da página. Quando alguém está em uma leitura e levanta o olhar como se estivesse a aprender com muito mais intensidade o que acaba de ler, é o momento em que esse alguém está totalmente envolvido, como se pensasse: “Isto é meu, isto tem que ver comigo”. Tira-se da leitura o que se necessita.
José Saramago, in As palavras de Saramago

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