Escrevi
o prefácio para Sporting Times. Saiu fácil. Depois o li.
Percebi que ao admitir que John Bante era uma grande influência da
minha escrita talvez pudesse ter um efeito deletério sobre a minha
própria obra, como se parte de mim não fosse mais que uma cópia em
papel carbono, mas não dei a mínima. É quando você esconde as
coisas que acaba sendo sufocado por elas. Coloquei o prefácio no
correio, enviando-o para Larkin, que morava em Santa Barbara. Larkin
era um desses caras que se envolvia com as coisas. Assim que recebeu
a carta, ele me telefonou.
– O
prefácio está bacana. Sabe, estive falando com a Mary Bante, a
esposa de John. Ela disse que John quer conhecer você.
– Jesus
Cristo!
– Há
umas complicações. Ele tem um quadro avançado de diabetes. Está
cego e já sofreu amputações, tiveram que cortar boa parte de suas
pernas.
– Não
sabia que diabetes levava a isso...
Foi
tudo que consegui dizer. Lá estava John Bante, provavelmente o
melhor escritor do mundo, deitado num leito, cego e mutilado!
– Isso
não acontece muito hoje em dia. A doença o consumiu antes que essas
técnicas modernas pudessem ajudá-lo. –
Puta
que pariu...
Lembrei-me
então do conto que Bante havia escrito em que seu pai sofria da
mesma coisa, e de como havia ignorado as recomendações médicas e
bebido até morrer.
– Os
médicos dizem que ele não tem muito tempo. Mary diz que ele adorou
seu prefácio. Ele está começando um novo romance…
–
Espere, como ele...
– Está
ditando o texto para Mary.
– Puta
que pariu...
– De
todo modo, ele quer vê-lo. Tenho o número deles aqui...
O
termo “vê-lo” não se encaixava muito bem à situação. Mas eu
estava com o telefone. Fiz a ligação. Mary disse que a reedição
de Sporting Times havia sido muito reconfortante para John.
– Mas
ele tem que voltar para o hospital agora. Se você quiser vê-lo vai
ter que ser por lá.
– É
claro que eu quero vê-lo. Esperei quarenta anos para vê-lo.
Marcamos
um dia e um horário e segui as instruções para chegar até lá.
Sou uma dessas pessoas sem senso de direção, dessas que conseguem
se perder num supermercado. Por sorte, estava vivendo com uma mulher
legal, Alta.
Mostrei
a ela as instruções.
– Alta,
querida, você acha que pode me ajudar a encontrar esse lugar?
–
Claro.
– Não
se importa de ir comigo?
– Claro
que não. Gostaria de conhecer o John.
Ela
já ouvira falar bastante de Bante durante minhas bebedeiras. De como
o mundo era estúpido por não conhecer os seus livros. De como o
mundo era estúpido por prestar honrarias a caras como Mailer e
Capote e Bellow e Cheever e Updike quando um simples parágrafo de
John Bante podia dizer muito mais com sua deslumbrante simplicidade.
Os
melhores nem sempre são reconhecidos, seja na literatura, na
música, na pintura, nas atuações, na política ou onde quer que
seja. Isso não era nenhuma novidade nos séculos de humanidade.
– Legal
– eu disse a Alta. – Vamos juntos.
Charles
Bukowski, in Pedaços de um caderno manchado de vinho
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