sábado, 2 de setembro de 2017

Os melhores nem sempre são reconhecidos


Escrevi o prefácio para Sporting Times. Saiu fácil. Depois o li. Percebi que ao admitir que John Bante era uma grande influência da minha escrita talvez pudesse ter um efeito deletério sobre a minha própria obra, como se parte de mim não fosse mais que uma cópia em papel carbono, mas não dei a mínima. É quando você esconde as coisas que acaba sendo sufocado por elas. Coloquei o prefácio no correio, enviando-o para Larkin, que morava em Santa Barbara. Larkin era um desses caras que se envolvia com as coisas. Assim que recebeu a carta, ele me telefonou.
O prefácio está bacana. Sabe, estive falando com a Mary Bante, a esposa de John. Ela disse que John quer conhecer você.
Jesus Cristo!
Há umas complicações. Ele tem um quadro avançado de diabetes. Está cego e já sofreu amputações, tiveram que cortar boa parte de suas pernas.
Não sabia que diabetes levava a isso...
Foi tudo que consegui dizer. Lá estava John Bante, provavelmente o melhor escritor do mundo, deitado num leito, cego e mutilado!
Isso não acontece muito hoje em dia. A doença o consumiu antes que essas técnicas modernas pudessem ajudá-lo. –
Puta que pariu...
Lembrei-me então do conto que Bante havia escrito em que seu pai sofria da mesma coisa, e de como havia ignorado as recomendações médicas e bebido até morrer.
Os médicos dizem que ele não tem muito tempo. Mary diz que ele adorou seu prefácio. Ele está começando um novo romance…
Espere, como ele...
Está ditando o texto para Mary.
Puta que pariu...
De todo modo, ele quer vê-lo. Tenho o número deles aqui...
O termo “vê-lo” não se encaixava muito bem à situação. Mas eu estava com o telefone. Fiz a ligação. Mary disse que a reedição de Sporting Times havia sido muito reconfortante para John.
Mas ele tem que voltar para o hospital agora. Se você quiser vê-lo vai ter que ser por lá.
É claro que eu quero vê-lo. Esperei quarenta anos para vê-lo.
Marcamos um dia e um horário e segui as instruções para chegar até lá. Sou uma dessas pessoas sem senso de direção, dessas que conseguem se perder num supermercado. Por sorte, estava vivendo com uma mulher legal, Alta.
Mostrei a ela as instruções.
Alta, querida, você acha que pode me ajudar a encontrar esse lugar?
Claro.
Não se importa de ir comigo?
Claro que não. Gostaria de conhecer o John.
Ela já ouvira falar bastante de Bante durante minhas bebedeiras. De como o mundo era estúpido por não conhecer os seus livros. De como o mundo era estúpido por prestar honrarias a caras como Mailer e Capote e Bellow e Cheever e Updike quando um simples parágrafo de John Bante podia dizer muito mais com sua deslumbrante simplicidade.
Os melhores nem sempre são reconhecidos, seja na literatura, na música, na pintura, nas atuações, na política ou onde quer que seja. Isso não era nenhuma novidade nos séculos de humanidade.
Legal – eu disse a Alta. – Vamos juntos.
Charles Bukowski, in Pedaços de um caderno manchado de vinho

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