A
casa luxuosa no Leblon é guardada por um molosso de feia catadura,
que dorme de olhos abertos, ou talvez nem durma, de tão vigilante.
Por isso, a família vive tranquila, e nunca se teve notícia de
assalto à residência tão bem protegida.
Até
a semana passada. Na noite de quinta-feira, um homem conseguiu abrir
o pesado portão de ferro e penetrar no jardim. Ia fazer o mesmo com
a porta da casa, quando o cachorro, que muito de astúcia o deixara
chegar até lá, para acender-lhe o clarão de esperança e depois
arrancar-lhe toda ilusão, avançou contra ele, abocanhando-lhe a
perna esquerda. O ladrão quis sacar do revólver, mas não teve
tempo para isto. Caindo ao chão, sob as patas do inimigo,
suplicou-lhe com os olhos que o deixasse viver, e com a boca prometeu
que nunca mais tentaria assaltar aquela casa. Falou em voz baixa,
para não despertar os moradores, temendo que se agravasse a
situação.
O
animal pareceu compreender a súplica do ladrão, e deixou-o sair em
estado deplorável. No jardim ficou um pedaço de calça. No dia
seguinte, a empregada não entendeu bem por que uma voz, pelo
telefone, disse que era da Saúde Pública e indagou se o cão era
vacinado. Nesse momento o cão estava junto da doméstica, e abanou o
rabo, afirmativamente.
Carlos
Drummond de Andrade,
in Contos
plausíveis
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