— Olá!
Você por aqui, meu caro! Num lugar mal frequentado! Você, o bebedor
de quintessências! Você, o comedor de ambrosia! Palavra que me
surpreende!
— Meu
caro, você conhece o meu pavor dos cavalos e dos veículos. Ainda há
pouco, ao atravessar a avenida, muito apressado, escorreguei na lama,
esse caos movediço onde a morte aparece de todos os lados. Minha
auréola, num movimento brusco, saiu-me da cabeça e foi parar no
barro do macadame. Não tive coragem de apanhá-la. Achei menos
desagradável perder minhas insígnias do que quebrar os ossos.
Afinal de contas, pensei, há males que são para bem. Posso, agora,
andar incógnito, praticar atos baixos e cair na devassidão, como os
simples mortais. E eis-me aqui, igual a você, como está vendo!
— Mas
deveria ao menos anunciar a perda da auréola, ou fazê-la reclamar
pelo comissário.
— Isso,
não! Estou bem aqui. Só você me reconhece. Além disso, ando farto
de dignidade. E depois acho que não faltará um poeta para apanhá-la
e cobrir-se com ela. Fazer alguém feliz, que prazer! Sobretudo um
feliz que me fará rir! Pense no X ou no Z! Hein? Vai ser um gozo!
Charles
Baudelaire, in Pequenos poemas em prosa
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