-
“Nestor” - repetiu ela. Depois: - Ninguém mais se chama Nestor.
-
Devo ser o último.
-
Você tem alguma outra coisa diferente?
-
Faço isto. Dobrou o dedo indicador para trás, até quase tocar o
braço.
-
Que mais?
-
Multiplico qualquer número por qualquer número, até três dígitos.
-
Trezentos e vinte e quatro vezes duzentos e um.
Ele
fechou os olhos para pensar. Depois abriu-os e perguntou:
-
Por quê?
-
Como, “por quê”?
-
Eu sei a resposta, mas só digo se você for adiante.
-
Como, “for adiante”?
-
For adiante. Perguntar tudo a meu respeito. Me contar tudo a seu
respeito. Se nós passarmos deste ponto, não podemos voltar atrás.
Vamos nos conhecer profundamente. Vamos ter um relacionamento intenso
e total.
-
Como “total”?
-
Precisamos nos definir agora. Ou isto é um encontro casual na praia,
e não significa nada, e nunca mais nos veremos, ou é o encontro das
nossas vidas. Você escolhe. Eu já fiz a multiplicação na cabeça
e já sei a resposta, mas só digo se você estiver disposta a ir
adiante.
Ela
hesitou. Disse:
-
Eu tenho namorado.
-
Então acho melhor parar por aqui.
Ela
fechou um olho, fez uma careta e perguntou:
-
Você é muito estranho?
-
Não posso dizer. Você vai descobrir. Ou não.
Nova
hesitação. Ela fazendo um buraco na areia com o calcanhar, tentando
se decidir. Finalmente:
-
Tá bom. Qual é o resultado?
-
Sessenta e cinco mil, cento e vinte e quatro.
-
Como é que eu sei se está certo?
-
Você não sabe.
Dezessete
anos depois ela perguntou se naquele dia, na praia, ele tinha
acertado mesmo o número, e ele, apertando as correntes em torno do
bustiê de couro preto que ela usava sobre a pele, respondeu:
-E
eu me lembro?
Luís
Fernando Veríssimo, in As mentiras que os homens contam
Nenhum comentário:
Postar um comentário