segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O inferno é aqui mesmo?

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Preso no trânsito, ele perdeu a paciência e pôs-se a gritar, esmurrando o volante:
Diabo! Diabo!
Ouviu-se um estrondo, uma nuvem de fumaça invadiu o interior do carro e, quando ela se dispersou, lá estava, sentada no carro, a figura inconfundível: os pequenos chifres, os olhinhos malignos, o rabo. O Diabo, em pessoa, sorridente:
Chamaste-me? Aqui estou.
Apavorado, o motorista não sabia o que dizer. Queria voltar atrás, foi engano, Senhor Diabo, eu não chamei ninguém, eu estava apenas protestando contra o trânsito; mas, como se tivesse adivinhado o seu pensamento, o demônio apressou-se a acrescentar:
E vim para ficar. Você sabe, ninguém invoca impunemente o nome do Demônio. De modo que você pode me considerar seu eterno passageiro. Relaxe, fique tranquilo. Temos muito tempo para conversar.
O pobre homem não dizia nada. Olhava o tridente que o Diabo tinha ao lado e se perguntava em que momento começaria a ser espetado com aquela coisa. Isso sem falar no fogo do inferno que decerto em pouco tempo estaria aceso ali. Tentou disfarçadamente abrir a porta; como suspeitava, estava trancada. Demônios sabem como usar a tecnologia moderna contra suas vítimas. Suspirou, pois, e preparou-se para o sofrimento.
O trânsito continuava parado, as horas passavam, e o Diabo, que de início falara loquazmente sobre as delícias do castigo eterno, agora mostrava-se silencioso. Mais, mexia-se inquieto no banco de trás. E de repente não se conteve:
Mas será que essa coisa não anda, meu Deus do céu?
Novo estrondo, e nova nuvem, dessa vez luminosa; o demônio tinha sumido e, em seu lugar, estava um ancião de esplêndidas barbas brancas.
O Diabo já deveria ter aprendido que não se invoca o meu santo nome em vão – disse.
Mas você é Deus! – exclamou o motorista, maravilhado.
Pode me chamar assim – disse Deus.
Ah, e pode fazer um pedido, também. Você merece.
O homem não hesitou:
Quero que você me tire agora deste congestionamento.
Ao que Deus abriu a porta e saltou. Antes de ascender aos céus, esclareceu:
Desse trânsito, meu filho, nem Deus te tira. Acho melhor você chamar o Demônio de novo.
Moacyr Scliar, O imaginário cotidiano

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