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Preso
no trânsito, ele perdeu a paciência e pôs-se a gritar, esmurrando
o volante:
–
Diabo! Diabo!
Ouviu-se
um estrondo, uma nuvem de fumaça invadiu o interior do carro e,
quando ela se dispersou, lá estava, sentada no carro, a figura
inconfundível: os pequenos chifres, os olhinhos malignos, o rabo. O
Diabo, em pessoa, sorridente:
–
Chamaste-me? Aqui estou.
Apavorado,
o motorista não sabia o que dizer. Queria voltar atrás, foi engano,
Senhor Diabo, eu não chamei ninguém, eu estava apenas protestando
contra o trânsito; mas, como se tivesse adivinhado o seu pensamento,
o demônio apressou-se a acrescentar:
– E
vim para ficar. Você sabe, ninguém invoca impunemente o nome do
Demônio. De modo que você pode me considerar seu eterno passageiro.
Relaxe, fique tranquilo. Temos muito tempo para conversar.
O
pobre homem não dizia nada. Olhava o tridente que o Diabo tinha ao
lado e se perguntava em que momento começaria a ser espetado com
aquela coisa. Isso sem falar no fogo do inferno que decerto em pouco
tempo estaria aceso ali. Tentou disfarçadamente abrir a porta; como
suspeitava, estava trancada. Demônios sabem como usar a tecnologia
moderna contra suas vítimas. Suspirou, pois, e preparou-se para o
sofrimento.
O
trânsito continuava parado, as horas passavam, e o Diabo, que de
início falara loquazmente sobre as delícias do castigo eterno,
agora mostrava-se silencioso. Mais, mexia-se inquieto no banco de
trás. E de repente não se conteve:
– Mas
será que essa coisa não anda, meu Deus do céu?
Novo
estrondo, e nova nuvem, dessa vez luminosa; o demônio tinha sumido
e, em seu lugar, estava um ancião de esplêndidas barbas brancas.
– O
Diabo já deveria ter aprendido que não se invoca o meu santo nome
em vão – disse.
– Mas
você é Deus! – exclamou o motorista, maravilhado.
– Pode
me chamar assim – disse Deus.
– Ah,
e pode fazer um pedido, também. Você merece.
O
homem não hesitou:
– Quero
que você me tire agora deste congestionamento.
Ao
que Deus abriu a porta e saltou. Antes de ascender aos céus,
esclareceu:
– Desse
trânsito, meu filho, nem Deus te tira. Acho melhor você chamar o
Demônio de novo.
Moacyr
Scliar, O imaginário cotidiano
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