Às
vezes, um aluno de oficina produz um texto em que todos os elementos
da narrativa estão perfeitamente encaixados, todas as partes que
compõem o todo se ajustam com eficiência, e, no entanto, o todo não
funciona, a obra é uma marionete desconjuntada, flácida e sem
vitalidade.
Nesse
instante, o instrutor silencia, à espera de que alguém mais, talvez
o próprio autor, se dê conta do espantalho que foi gerado. Mas
este, ainda dolorido e ensimesmado pela gestação e pelo parto, não
percebe. E os colegas, mais por espírito de corpo do que por
ignorância, também não perceberão. Ou farão de conta que não
percebem. E não adianta tentar mostrar que aquilo é um fantoche, um
factoide, um espectro. O autor não se permitirá perceber o
problema. Ao contrário, apelará para as mais comezinhas
autoindulgências, rebaterá com argumentos teóricos aprendidos com
o próprio mestre, se apegará neuroticamente a detalhes sem nenhuma
significação.
Se
for culto e com boa bagagem de leitura, apresentará exemplos
extraídos de obras clássicas que ele julga, arrogantemente,
semelhantes à sua.
O
professor, se coincidir de ser também escritor e não apenas crítico
ou técnico, sofrerá duplamente. Em algum momento de sua carreira
terá produzido essas aberrações da natureza literária, esses
fantasmas sem vida nem transcendência, e reconhecerá, sem confessar
publicamente, que há uma área da criação infensa à técnica, à
cultura, ao conhecimento acumulado pela tradição. E sofrerá também
porque essa área é inexplicável, intransferível e inapreensível.
Se
for honesto, o professor murmurará que as ideias de Platão foram
contestadas, mas não destruídas. Que, por mais materialistas que
possamos ser, sempre restará espaço para o mito. Que o sopro vital
é um dom do Espírito.
Se
for honesto, o escritor que também ensina ensinará, como ensinou
Gaston Bachelard, que não é digno de ser chamado de escritor aquele
que não dedicar à Fênix parte de sua produção, especialmente
aquela que já nasceu morta.
E
ensinará que é do fogo e das cinzas da obra desvitalizada que virá
a energia necessária para outra obra possível, aquela com frescor
de banho e riso de bebê, aquela que se agitará como uma serpente no
gramado e que será capaz de mesmerizar até o leitor mais desatento.
Charles
Kiefer, in Para ser escritor
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