As
noites do Carnaubal, escuras como breu no novilúnio, nos assustavam.
E se ouvia o esturro da onça, que vinha das bandas do Queitatu de
Pedro Martins. Negação da luz do plenilúnio. Os chocalhos das
vacas de leite nos enganavam o medo.
Na
manhã, o cheiro do curral nos invadia. O leite mugido. Cada um de
nós com sua caneca de ágata, devidamente abastecida de açúcar. De
uma vaca com tratamento especial. A única com o úbere banhado de
água e sabão. Ordenhada por Paulo de Catarina, que também
enxaguava as mãos. Ordem do Pe. Alexandrino.
O
restante do leite seria tratado na fervura. Parte para o uso diário
e coalhada e a porção maior para o queijo. O queijo, de manteiga ou
coalho, era a única renda da fazenda. Vendido para feirantes, que
vinham aos Domingos.
O
queijo de coalho tinha fácil feitura. No leite, era posto um coalho
de mocó. Após coalhar, ia para um saco, que se pendurava num caibro
para escorrimento do soro. No dia seguinte, a coalhada escorrida
passava por um cozimento no próprio soro. Depois de salgada era
colocada num chincho, onde se ia banhando com soro fervente e
imprensado com as mãos, até que a massa do queixo ficasse o mais
seca possível. Quanto mais enxuto, melhor o queijo.
“O
queijo de manteiga tem ciência”, dizia Sergina. Só ela merecia a
confiança de Paulo para fazê-lo. O leite é coalhado pelo soro da
coalhada anterior. Depois, a coalhada escorrida é cozida no leite e
espremida nas mãos. Após isso, estando ela bem seca, será cortada,
salgada e levada a um tacho que repousa numa trempe de fogo brando.
Nisso, tem-se que observar a temperatura do leite, a quentura do
tacho e o espalhar da coalhada na manteiga. Com uma colher de pau, de
cabo longo.
O
queijeiro vai reduzindo ou aumentando o fogo. Depois pondo a
manteiga, na medida em que o queijo vai pedindo. Até que ele começa
a devolver a manteiga, informando que chegou ao ponto. Só aí é que
vai para o chincho.
Voltemos
ao leite mugido. Cada caneca era entregue a seu dono com a espuma
sangrando nas bordas. Com a observação de Paulo: “beba tudo pra
soltar o vento”.
Era
a função laxante. Ti’Orácio sofria de uma crônica prisão de
ventre, que o infernizava por toda a vida. Menos numa época. Quando
da parição das vacas, em Cajuais. Nos primeiros quinze dias, o
leite só serve para os bezerros. É o colostro. Um líquido
amarelado e grosso que previne doenças nos mamíferos
recém-nascidos, para cada espécie.
O
colostro de vaca, para o ser humano, é um purgante violento. Era o
que queria Ti’Orácio. Após uma caneca de colostro, corria para um
serrote de pedras e despachava o guardado.
Era
a nascença da caganeira a fazer um córrego de alívio. A política
brasileira é o intestino de Ti’Orácio; só funciona na mamação
da bezerrama. Té mais.
François
Silvestre, in Coluna Plural, do Novo Jornal (01/09/2015)
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