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Santiago - começou o garoto.
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Que é? - perguntou o velho. Tinha o copo na mão e pensava nas suas
aventuras de muitos anos atrás.
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Posso sair com o barco para apanhar sardinhas para você amanhã?
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Não, vá jogar beisebol. Eu ainda sei remar e o Rogério pode atirar
as redes.
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Mas eu gostaria de ir. Já que não posso ir pescar com você, queria
ajudar de algum jeito.
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Você me pagou uma cerveja - replicou o velho. - Agora já é um
homem.
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Que idade eu tinha quando você me levou no barco pela primeira vez?
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Cinco anos e você por pouco não morreu porque icei o peixe antes da
hora e ele ia dando cabo do barco. Lembra-se?
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Lembro-me da cauda do peixe que batia e sacudia o barco todo, da
travessa que rangia quase estalando e do ruído das pancadas que você
dava nele com o martelo. Lembro também que você me atirou para a
proa, onde estavam os rolos molhados de linha, e não posso me
esquecer do barco estremecendo e das suas marteladas... até parecia
que você estava pondo uma árvore abaixo... e de todo aquele sangue
doce me salpicando.
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Lembra mesmo tudo isso ou fui eu que lhe contei depois?
-
Lembro tudo desde que saímos juntos pela primeira vez.
O
velho examinou-o com os seus olhos queimados pelo sol, muito
carinhosos e confiantes.
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Se você fosse meu filho, eu o levaria comigo e desafiaria a má
sorte - disse ele. - Mas você tem seu pai e sua mãe e está num
barco de sorte.
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Posso ir apanhar as sardinhas? Sei de um lugar onde é fácil
encontrar isca.
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Ainda me restam algumas de hoje. Ponho-as numa caixa com sal e servem
para amanhã.
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Deixe eu ir arranjar isca fresca.
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Uma só - disse o velho. As suas esperanças e confiança nunca o
tinham abandonado, mas agora estavam arrefecendo como a brisa quando
se levanta no ar.
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Duas - devolveu o garoto.
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Duas - concordou o velho. - Não vai roubá-las, não é?- Roubaria
se fosse preciso - respondeu o garoto. - Mas não é.
-
Obrigado - disse o velho pescador. Era demasiado simples para
compreender quando alcançara a humildade. Mas sabia que a alcançara
e sabia que não era nenhuma vergonha nem representava nenhuma perda
do verdadeiro orgulho.
Ernest
Hemingway,
in O
velho e o mar
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