terça-feira, 12 de maio de 2015

Humildade


- Santiago - começou o garoto.
- Que é? - perguntou o velho. Tinha o copo na mão e pensava nas suas aventuras de muitos anos atrás.
- Posso sair com o barco para apanhar sardinhas para você amanhã?
- Não, vá jogar beisebol. Eu ainda sei remar e o Rogério pode atirar as redes.
- Mas eu gostaria de ir. Já que não posso ir pescar com você, queria ajudar de algum jeito.
- Você me pagou uma cerveja - replicou o velho. - Agora já é um homem.
- Que idade eu tinha quando você me levou no barco pela primeira vez?
- Cinco anos e você por pouco não morreu porque icei o peixe antes da hora e ele ia dando cabo do barco. Lembra-se?
- Lembro-me da cauda do peixe que batia e sacudia o barco todo, da travessa que rangia quase estalando e do ruído das pancadas que você dava nele com o martelo. Lembro também que você me atirou para a proa, onde estavam os rolos molhados de linha, e não posso me esquecer do barco estremecendo e das suas marteladas... até parecia que você estava pondo uma árvore abaixo... e de todo aquele sangue doce me salpicando.
- Lembra mesmo tudo isso ou fui eu que lhe contei depois?
- Lembro tudo desde que saímos juntos pela primeira vez.
O velho examinou-o com os seus olhos queimados pelo sol, muito carinhosos e confiantes.
- Se você fosse meu filho, eu o levaria comigo e desafiaria a má sorte - disse ele. - Mas você tem seu pai e sua mãe e está num barco de sorte.
- Posso ir apanhar as sardinhas? Sei de um lugar onde é fácil encontrar isca.
- Ainda me restam algumas de hoje. Ponho-as numa caixa com sal e servem para amanhã.
- Deixe eu ir arranjar isca fresca.
- Uma só - disse o velho. As suas esperanças e confiança nunca o tinham abandonado, mas agora estavam arrefecendo como a brisa quando se levanta no ar.
- Duas - devolveu o garoto.
- Duas - concordou o velho. - Não vai roubá-las, não é?- Roubaria se fosse preciso - respondeu o garoto. - Mas não é.
- Obrigado - disse o velho pescador. Era demasiado simples para compreender quando alcançara a humildade. Mas sabia que a alcançara e sabia que não era nenhuma vergonha nem representava nenhuma perda do verdadeiro orgulho.
Ernest Hemingway, in O velho e o mar

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