sábado, 4 de janeiro de 2025

1554 – Cuzco

O alcaide e as orelhas

Desde que o galã fez a ameaça, dom Diego apalpa as orelhas cada manhã, ao despertar, e as mede no espelho. Descobriu que as orelhas crescem quando estão contentes e que as encolhem o frio e as melancolias; que as transformam em ferro em brasa os olhares e as calúnias e que batem asas desesperadamente, como pássaros na gaiola, quando escutam o ruído de uma folha de aço que se afia.
Para pô-las a salvo, dom Diego as traz para Cuzco. Guardas e escravos o acompanham na longa viagem.
Um domingo de manhã, dom Diego sai da missa, mais desfilando que caminhando, seguido por um negrinho que leva seu reclinatório de veludo. De repente um par de olhos se cravam, certeiros, em suas orelhas, e uma capa azul atravessa em rajada a multidão e se desvanece, ondulando, na distância.
Ficam as orelhas como que machucadas.

Eduardo Galeano, em Os Nascimentos

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