In
memoria de Donna Lina Bo Bardi
sonho
o poema de arquitetura ideal
cuja
própria nata de cimento encaixa palavra por
palavra,
tornei-me
perito em extrair faíscas das britas
e
leite das pedras.
acordo.
e
o poema todo se esfarrapa, fiapo a fiapo.
acordo.
o
prédio, pedra e cal, esvoaça
como
um leve papel solto à mercê do vento
e
evola-se, cinza de um corpo esvaído
de
qualquer sentido.
acordo,
e
o poema-miragem se desfaz
desconstruído
como se nunca houvera sido.
acordo!
os
olhos chumbado
pelo
mingau de almas e os ouvidos moucos,
assim
é que saio dos sucessivos sonos:
vão-se
os anéis de fumo de ópio
e
ficam-se os dedos estarrecidos.
sinédoques,
catacreses,
metonímias,
aliterações, metáforas, oxímoros
sumidos
no sorvedouro.
não
deve adiantar grande coisa
permanecer
à espreita no topo fantasma
da
torre de vigia.
nem
a simulação de se afunda no sono.
nem
dormir deveras.
pois
a questão-chave é
sob
que máscara retornará o recalcado?
(mas
eu figuro meu vulto
caminhando
até a escrivaninha
e
abrindo o caderno de rascunho
onde
já se encontra escrito
que
a palavra “recalcado” é uma expressão
por
demais definia, de sintomatologia cerrada:
assim
numa operação de supressão mágica
vou
rasurá-la daqui do poema.)
pois
a questão-chave é:
sob
que máscara retornará?
Waly Salomão, em Antologia Poética
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