quarta-feira, 22 de maio de 2024

Os Nascimentos | 1533 – Sevilha

O tesouro dos incas

Da primeira das naus se derrama o ouro e a prata sobre o cais de Sevilha.
Os bois arrastam as talhas repletas até a Casa de Contratação.
Murmúrios de estupor se levantam entre a multidão que assiste ao desembarque. Fala-se de mistérios e do monarca vencido além do mar.
Dois homens, duas uvas, saem abraçados da taberna que dá para o cais. Se metem na multidão e perguntam, aos gritos, aonde está o tabelião. Eles não celebram o tesouro dos incas. Estão avermelhados e resplandecentes pela jornada de bom vinho e porque fizeram um pacto de muita fraternidade. Resolveram trocar de mulheres, tu a minha, que é uma joia, e eu a tua, embora não valha nada, e buscam um tabelião para documentar o acordo.
Eles não dão confiança ao ouro e à prata do Peru; e as pessoas, deslumbradas, não dão confiança ao náufrago que chegou junto com o tesouro. O navio, atraído pela fogueira, resgatou o náufrago em uma ilhota do Caribe. Se chama Pedro Serrano e há nove anos tinha se salvado nadando. Usa agora o cabelo como assento e a barba como avental, tem a pele de couro e não parou de falar desde que o subiram a bordo. Continua contando sua história, agora, em meio ao alvoroço. Ninguém o escuta.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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