domingo, 12 de maio de 2024

A Contadora de Filmes | [19]




Uma tarde, um dos convidados disse, assim ao léu, uma coisa que nós, da família, jamais tínhamos pensado: que podíamos cobrar entrada. Que o que eu fazia era um espetáculo artístico de verdade.
E arte, amigos meus, a gente paga.”
Assim, naquela noite, depois de conversar um par de horas com meus irmãos maiores – ninguém me perguntou nada –, meu pai encontrou a solução perfeita: não seria cobrada a entrada, mas se pediria uma doação voluntária.
É o melhor a ser feito”, disse. Mas antes teríamos que dar uma melhorada na sala.
No dia seguinte pusemos mãos à obra. Meus irmãos conseguiram um banco longo e uma cadeira velha, que consertaram na base de martelo e prego. Além disso, pusemos na sala um par de latas de banha e também uma caixa de cerveja e tudo que servisse para alguém sentar. Pusemos até mesmo a grande pedra que tinha sido embutida na porta da casa, onde meu pai, antes do acidente, se sentava para tomar sua garrafinha de vinho.
E a coisa começou a caminhar bem.
A “sala” se enchia de crianças e adultos, homens e mulheres. Havia os que iam ver o filme no cinema e depois vinham para casa para ouvi-lo contado. Depois saíam dizendo que o filme que eu tinha contado era melhor que o filme que tinham visto.
Animada por causa da minha popularidade, descuidando até mesmo das tarefas escolares, parei de ler as histórias em quadrinhos e me concentrei apenas na revista Écran (aprendi que Écran era a tela do cinema). Além de devorar todos os novos exemplares que chegavam na biblioteca, li uma cordilheira de números velhos que a bibliotecária me trouxe do depósito. Duas seções me interessavam especialmente: “Últimas estreias” e “Fofocagens hollywoodianas”. Queria saber absolutamente tudo sobre os filmes e as atrizes que geralmente enfeitavam a capa da revista.
É que eu me sentia como uma delas.
Tanto assim, que pensei em procurar um pseudônimo. Eu era uma artista e merecia um nome de artista.
Um que combinasse com o que eu fazia, é claro.

Hernán Rivera Letelier, in A Contadora de Filmes 

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