I
Esta
manhã ainda me maravilha a imagem viva e distante da terrível
paisagem jamais contemplada por olhos mortais.
O
sonho está repleto de milagres! Por singular capricho, havia
desterrado do espetáculo o vegetal irregular, e, pintor orgulhoso do
meu gênio, saboreava na tela a embriagadora monotonia do metal, o
mármore e a água.
Cheio
de fontes e cascatas que caíam sobre o ouro fosco ou polido, havia
um palácio infinito, babel de arcadas e escadarias.
Cortinas
de cristal, as pesadas cataratas se suspendiam deslumbrantes das
muralhas metálicas.
Colunatas
em lugar de árvores rodeavam os tanques adormecidos, onde
gigantescas náiades se viam como mulheres.
Entre
molhes rosados e verdes, por milhões de léguas, as águas azuis se
expandiam até os confins do universo. Havia pedras insólitas, ondas
mágicas; havia espelhos deslumbrados pelo o que refletiam.
Do
firmamento, rios taciturnos e descuidados vestiam o tesouro de suas
urnas em abismos de diamantes.
Arquiteto
dos meus sortilégios, eu fazia passar como queria, sob um túnel de
pedrarias, um oceano domesticado. E tudo, até a cor negra parecia
polida, clara e irisada; e a água engastava sua glória no raio de
cristal.
Nenhum
astro até os confins do céu, nenhum resto de sol que iluminasse
estes prodígios de fogo próprio.
E
sobre estas maravilhas móveis (detalhe atroz: tudo para os olhos,
nada para os ouvidos!) flutuava um silêncio de eternidade.
Charles Baudelaire, in As flores do mal
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