Sempre
amei o Tom Jobim. Seu rosto, sua voz e música me fazem sentir
mansidão, amor manso e uma pitada de tristeza. Quando ele morreu
fiz-lhe uma pequena homenagem, uma brincadeira, usando versos de
Casimiro de Abreu que aprendi na escola. O que eu fiz foi dar-lhes um
final inesperado. Foi assim: “Eu me lembro, eu me lembro. Era
pequeno e brincava na praia. O mar bramia. E erguendo o dorso altivo
sacudia a branca espuma para o céu sereno. E eu disse à minha mãe
naquele instante: ‘Que dura orquestra! Que furor insano! Que pode
haver maior que o oceano?’ Minha mãe a sorrir olhou para os céus
e respondeu: ‘O piano’...”
A
Sônia Braga, por ocasião dos sessenta anos do Tom, disse que ele
era o homem que toda mulher desejaria, porque ele era masculino e
feminino ao mesmo tempo. Mas agora o meu amor cresceu. Fiquei sabendo
da religião do Tom... Alguém, dentre os meus leitores, sabe quais
eram os deuses dele? Uma amiga me contou. Enviou-me isso que o Tom
disse: “Toda vez que uma árvore é cortada aqui naTerra, eu
acredito que ela cresça outra vez em outro lugar – em algum outro
mundo. Então, quando eu morrer, este é o lugar para onde quero ir.
Onde as florestas vivam em paz”. Os deuses do Tom são árvores. Na
religião do Tom, cortar uma árvore é pecado mortal.
Estou
de acordo. Faria até uma pequena mudança no prólogo do evangelho
de João: “E o Verbo se fez árvore”... Tenho-as por seres muito
mais evoluídos que os hominídeos. Proponho que se criem adesivos a
serem colados nos carros: “As árvores são fiéis”.
Estão
sempre a nossa espera, no mesmo lugar, tranquilas, abrigam os
pássaros, as formigas, as joaninhas e todo tipo de coisa viva. Não
falam. Moram no silêncio. E nunca se vingam. “Sem linguagem, sem
fala, ouvem-se as suas vozes...” (Salmo 19).
Quando
se compara as árvores com os hominídeos aparece o horror do que
somos: vingativos, invejosos, inconfiáveis, mentirosos. E as árvores
acrescentariam: e têm machados e serras nas suas mãos... Sabendo da
nossa maldade, os pássaros que se abrigam nas árvores fogem de nós.
Bachelard nos definiu como os seres que perderam a confiança dos
pássaros...
Toda
floresta é uma catedral. O Alberto Caeiro se juntaria ao Tom:
“Sejamos simples e calmos como os regatos e as árvores, e Deus
amar-nos-á fazendo de nós belos como as árvores e os regatos e
dar-nos-á verdor na sua primavera e um rio aonde ir ter quando
acabemos...”.
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba
Nenhum comentário:
Postar um comentário