Respirei
e sentei-me. Dona Plácida atroava a sala com exclamações e
lástimas. Eu ouvia, sem lhe dizer coisa nenhuma; refletia comigo se
não era melhor ter fechado Virgília na alcova e ficado na sala; mas
adverti logo que seria pior; con-firmaria a suspeita, chegaria o fogo
à pólvora, e uma cena de sangue... Foi muito melhor assim. Mas
depois? que ia acontecer em casa de Virgília? matá-la-ia o marido?
Espancá-la-ia? encerrá-la-ia? expulsá-la-ia? Estas interrogações
percorriam lentamente o meu cérebro, como os pontinhos e vírgulas
escuras percorrem o campo visual dos olhos enfermos ou cansados. Iam
e vinham, com o seu aspecto seco e trágico, e eu não podia agarrar
um deles e dizer: és tu, tu e não outro.
De
repente vejo um vulto negro; era Dona Plácida, que fora dentro,
enfiara a mantilha, e vinha oferecer-se-me para ir casa do Lobo
Neves. Ponderei-lhe que era arriscado, porque ele desconfiaria da
visita tão próxima.
– Sossegue,
interrompeu ela; eu saberei arranjar as coisas. Se ele estiver em
casa não entro.
Saiu;
eu fiquei a ruminar o sucesso e as consequências possíveis. Ao
cabo, parecia-me jogar um jogo perigoso, e perguntava a mim mesmo se
não era tempo de levantar e espairecer como um parceiro do Whist.
E então sentia-me tomado de uma saudade do casamento, de um desejo
de canalizar a vida. Por que não? Meu coração tinha ainda que
explorar; não me sentia incapaz de um amor casto, severo e puro. Na
verdade, as aventuras são parte torrencial e vertiginosa da vida,
isto é, a exceção; eu estava enfarado delas; não sei até se me
pungia algum remorso. Mal pensei naquilo, deixei-me ir atrás da
imaginação; vi-me logo casado, ao pé de uma mulher adorável,
diante de um baby, que dormia no regaço da ama, todos nós no
fundo de uma chácara sombria e verde, a espiarmos através das
árvores uma nesga do céu azul, extremamente azul…
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
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