[…]
Meu
cigarro se apaga enquanto fumo e levo-o até o ícone para acendê-lo
na chama da vela, que está dentro de um copo – Ouço Tristessa
dizer algo que interpreto como “Droga, esse idiota está usando
nosso altar como isqueiro” – para mim nada há de estranho ou
incomum nisso, só quero fogo – mas percebendo a observação, ou
mesmo ainda acreditando na observação mesmo sem saber o que foi, eu
engulo em seco e me detenho e em vez disso arranjo fogo com El Indio,
que depois me mostra como, com uma precezita devota e um pedaço de
jornal, arranja fogo de maneira indireta, com um toque e uma oração
– Ao perceber o ritual, também o faço para conseguir meu fogo
alguns minutos mais tarde – Faço uma pequena oração francesa:
“Excuse moá ma Dame” – com ênfase no Dame por causa de
Damema, a Mãe dos Budas.
Assim
sinto-me menos culpado em relação a meu cigarro e de súbito sei
que todos vamos para o Céu direto de onde estamos, como espíritos
dourados de Anjos com Auréolas de Ouro vamos pegando carona no Deus
Ex Machina até as alturas do Apocalíptico, Eucalíptico,
Aristofanesco e Divino – Eu suponho e me pergunto o que o gato pode
achar – Digo para Cruz “Sua gata está tendo pensamentos dourados
(su gata tienes pensas de or)” mas ela não entende por mil e um
bilhão de razões complexas que nadam na multidão fervilhante de
seus pensamentos leitosos enterrados em Buda no estresse de sua
doença permanente – “What’s pensas?” grita ela para os
outros, ela não sabe que o gato está tendo pensamentos dourados –
Mas o gato a ama tanto, e fica ali, bem perto de seu queixo,
ronronando, satisfeito, olhos bem fechados e tampados, uma gatinha
pequena igual a Pinky que perdi em Nova York atropelada na Atlantic
Avenue pelos sombrios motoristas alucinados do Brooklyn e do Queens,
os autômatos sentados ao volante que vão matando gatos
automaticamente todo dia, uns cinco ou seis diariamente na mesma rua.
“Mas este gato vai morrer a morte mexicana normal – de velhice ou
doença – e será um veterano sábio dos becos da área, e você
irá vê-la (sujo como trapos) remexendo o lixo como se fosse um
rato, então o gato fica ali perto do queixo dela como um pequeno
sinal de suas boas intenções.”
Ei
Indio vai na rua e traz sanduíches de carne e agora a gata fica
enlouquecida, mia e grita querendo um pouco e El Indio a joga para
fora da cama – Mas Gata finalmente consegue um pedaço de carne e
se atira sobre ele como um Tigre louco e eu penso “Se ela fosse tão
grande quanto aquele do zoológico, iria olhar para mim com grandes
olhos verdes antes de me devorar”. Estou vivendo o conto de fadas
de sábado à noite, na verdade estou me divertindo por causa da
birita e a alegria e as pessoas despreocupadas – curtindo os
bichinhos – percebendo a filhotinha de chihuahua que agora espera
humildemente por um pedaço de carne ou de pão, aflita, com o rabo
entre as pernas, se ela um dia herdar a terra será por causa da
humildade – Com as orelhas abaixadas para trás, chega até a
chorar o lamento de medo do pequeno chihuahua – Ainda assim ela se
alternava entre nos observar e dormir a noite inteira, e suas
próprias reflexões sobre o tema do Nirvana e da morte e os mortais
que tentam ganhar tempo até a morte são de uma alta frequência
lamurienta de variedade doce e apavorada – e do tipo que diz
“Deixe-me em paz, sou delicada demais” e você a deixa em paz em
sua conchinha frágil como o casco de canoas acima das profundezas do
oceano – gostaria de poder comunicar a todas as criaturas e
pessoas, no resplendor de meus bons tempos enluarados, o mistério
enevoado do leite mágico visto na Fantasia Profunda da Mente onde
aprendemos que tudo é nada – no caso, eles não iriam se preocupar
mais, exceto após o instante em que pensam em se preocupar novamente
– Todos nós trêmulos em nossas botas de mortalidade, nascidos
para morrer, NASCIDOS PARA MORRER eu poderia escrever isso no muro e
sobre Muros por todos os Estados Unidos Pomba em asas de paz, com
seus olhos de Coleção de Bichos de Noé ao Luar; cão com garras
afiadas negras e reluzentes, morrer é nascer, treme em seus olhos
púrpuros, seus vasos sanguíneos frágeis descendo pelas costelas;
é, as costelas da chihuahua, e as costelas de Tristessa também,
lindas costelas, as delas com suas tias em chiahuahua também
nascidas para morrer, – lindas para serem feias, rápidas para
estarem mortas, gratas por estarem tristes, loucas para serem tomadas
– e a morte de El Indio, nascido para morrer, o homem, então ele
aplica a agulha de Sábado à Noite e toda noite é sábado à noite
e ele fica louco de esperar, o que mais ele pode fazer – A morte de
Cruz, as gotas de religião se derramando sobre seus cemitérios, a
boca repugnante plantada no cetim do caixão da terra... Gemo
tentando recuperar toda aquela magia, recordo de minha própria morte
iminente, “Se apenas eu tivesse o eu mágico da primeira infância
quando me lembrei como era antes de eu nascer, não me preocuparia
mais com a morte agora que sei que as duas são o mesmo sonho vazio”
– Mas o que o Galo vai dizer quando morrer, e alguém enfiar uma
faca em seu pescoço frágil – E a doce Galinha, aquela que come um
glóbulo de cerveja dos pés de Tristessa, seu bico fechando-se como
lábios humanos sorvem o leite da cerveja – quando ela morrer, doce
galinha, Tristessa que a ama vai salvar seu osso da sorte e
embrulhá-lo em pano vermelho e vai guardá-lo entre seus pertences,
não obstante a doce Mãe Galinha de nossa Noite de Arca de Noé, ela
a provedora dourada que remonta tão longe que você não consegue
encontrar o ovo que a impulsionou para fora rompendo a primeira casca
original, eles vão abrir caminho no rabo dela com serras tico-tico e
fazer carne moída dela, que você passa por um moedor de metal de
manivela, e você iria se perguntar por que ela também treme de medo
do castigo? E a morte do gato, o ratinho morto na sarjeta com o rosto
retorcido – Eu gostaria de poder comunicar a todos os seus medos da
morte combinados o Ensinamento de Séculos de Idade que escutei, que
redime toda a dor com uma recompensa suave de amor perfeito
silencioso que permanece pra cima e para baixo e para dentro e para
fora de todos os lugares passados, presentes e futuros no Vazio
desconhecido onde nada acontece e tudo é simplesmente o que é. Mas
eles mesmos sabem disso, besta e chacal e mulher amor, e meu
Ensinamento de Séculos na verdade é tão velho que eles já o
ouviram há muito tempo antes de minha época.
Fico
deprimido e preciso ir para casa. Todos nós, nascidos para morrer.
Jack Kerouac, in Tristessa
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