segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Laranja Mecânica | Capítulo 5


O que aconteceu, porém, foi que eu acordei tarde (quase sete e meia, pelo meu relógio) e, como se viu depois, isso não foi bem bolado. Pode-se videar que tudo neste mundo malvado conta. Agente pode poniar que uma coisa sempre leva a outra. Certo, certo, certo. Meu estéreo não estava mais naquela Alegria e Eu Vos Abraço, Ó Vós Que Sois Milhões, que um veque qualquer tinha cortado, e só podia ter sido pê ou eme, ambos muito nitidamente eslucháveis na sala de estar, tanto no tlique tlique dos pratos quanto no chupe chupe da pitação de chá nas xícaras, da sua refeição cansada depois da rabitagem diária, ele na fábrica, ela na loja. Coitado do velho.
Pobrezinha da estarre. Enfiei o chambre e botei a cara pra fora, na pele do filho amantíssimo, dizendo:
Oba, oba oba, pessoal. Tô muito melhor depois desse descanso diurno. Agora estou pronto pro batente noturno, pra faturar aquele tutuzinho.  Porque era isso que eles pensavam que eu fazia naquele tempo. – lamiamiam, mãe. Tem pra mim? – Era assim uma torta congelada que a mãe tinha descongelado e esquentado e não parecia nada apetitosa, mas eu tinha que dizer o que disse. O velho me olhou com um olhar não muito contente e desconfiado, mas não disse nada, sabendo que não ousava, e a mãe me deu um esmequezinho tipo a ti, fruto do meu ventre, meu único filho. Eu dancei pro banheiro e, bem escorre, dei um tchiste muito completo, que eu estava me sentindo sujo e pegajoso, depois voltei pro meu quarto pra botar as pletas noturnas. Depois, luzindo, penteado, escovado e lindo, sentei pra pegar o meu lontique de torta. Papapá falou:
Não é que eu queira me meter, meu filho, mas onde exatamente você vai trabalhar à noite?
Ah – mastiguei eu – são principalmente umas coisas avulsas, uns biscates, aqui e ali, onde aparece. – Eu lhe lancei um olhar feio direto, como pra dizer pra cuidar da dele que eu cuidava da minha. – Eu nunca peço dinheiro, peço? Nem pra roupa, nem pra diversão. Pois então, pra que perguntar?
Meu pai era assim muito humildezinho. – Desculpe, meu filho – disse ele – mas é que às vezes eu fico preocupado. As vezes eu tenho sonhos. Pode rir, se quiser, mas há muita coisa nos sonhos. Essa noite eu sonhei com você e não gostei nada do que sonhei.
Ah, é? – Agora ele tinha me deixado interessovatado sonhando comigo daquele jeito. Eu tinha a sensação de ter tido um sonho também, mas não conseguia me lembrar direito. – Que foi? – disse eu parando de mastigar a minha torta grudenta.
Era muito vivido – disse meu pai. – Eu vi você caído deitado na rua, você tinha levado uma surra dos outros rapazes. Os rapazes eram assim como aqueles com quem você andava antes de ser mandado pra escola correcional.
Ah, é? – Eu sorria por dentro com essa, papapa acreditando que eu tinha sido realmente reformado ou acreditando que acreditava. E aí eu me lembrei do meu próprio sonho, que era o daquela manhã, com Georgie dando as suas ordens de general e o Tapado esmecando à volta desdentado enquanto brandia o chicote. Mas, uma vez me tinham dito que os sonhos funcionam ao contrário. – Não te preocupes com o teu único filho e herdeiro, ó meu pai – disse eu. – Não temas. Ele sabe se garantir, deveras.
E – disse meu pai – você estava indefeso e ensangüentado e não podia mais reagir. – Eram realmente ao contrário, portanto eu dei outra risadinha malenque interior e aí tirei todo o dengue dos meus cármans e botei pra tilintar em cima da toalha da mesa suja de molho. E falei:
Olha, pai, isso aí não é muito. Foi o que eu ganhei Ontem à noite. Mas talvez dê pro escocês, pra você e mamãe pitarem aconchegados em algum lugar.
Obrigado, meu filho – disse ele. – Mas agora a gente quase não sai. Não se tem coragem de sair, as ruas estando do jeito que estão. Rapazes desordeiros e tudo isso. Mesmo assim, obrigado. Amanhã eu vou trazer pra casa, pra ela, uma garrafa de qualquer coisa. – E rapou o tutu malganho pra dentro dos cármans da calça, mamãe tchistando os pratos na cozinha. E eu saí, distribuindo sorrisos amáveis.
Quando cheguei ao pé da escada do edifício, eu fiquei algo surpreso. Fiquei mais do que isso. Escancarei assim a rote como se estivesse dando um baita bocejo. Eles tinham vindo ao meu encontro. Estavam esperando perto da pintura municipal toda escalavrada, representando a nagói dignidade do trabalho, veques e tchinas pelados e austeros, comandando as engrenagens da indústria, como eu disse, com toda aquela sacanagem rabiscada nas rotes por maltchiques travessos. O Tapado estava com um bastão grosso e comprido de lápis de cera preto, traçando enormes eslovos feios em cima da nossa pintura municipal, enquanto ia soltando a sua famosa gargalhada – hu hu hu hu hu. Mas se voltou quando Georgie e Pete me deram o como é que é, mostrando os zumbes brilhantes e drugues, e aí buzinou: – Tamos aí, chegamos, oba, oba, oba – e fez umas piruetas desajeitadas.
Nós ficamos preocupados – disse Georgie. – A gente ficou lá esperando e pitando o nosso molocozinho com facas, você podia ter ficado ofendido com alguma véssiche, então a gente veio até o seu domicílio. Está certo, Pete, certo?
Ah, é, certo – disse Pete.
Desculpas – disse eu, cauteloso. – Eu tive aí uma dor de gúliver e tinha que dormir. Não me acordaram na hora que eu tinha dado ordem. Mas estamos aí, prontos para o que a nótchi nos oferece, não é? – Parece que eu tinha pego aquele “não é?” do P. R. Deltoid, meu consultor pós-correcional. Muito estranho.
Pena essa dor de cabeça – disse Georgie assim muito preocupado. – Assim usando o gúliver demais, talvez.
Dando ordens e disciplina e coisas assim, talvez. Tem certeza de que não vai se sentir mais feliz se voltar pra cama? – E todos fizeram um ar de riso malenque.
Espera aí – disse eu. Vamos esclarecer tudo direitinho. Esse sarcasmo, se se pode chamar assim, não fica bem em vocês, ó meus amiguinhos. Talvez vocês tenham tido um govoritezinho tranqúilo pelas minhas costas, fazendo as suas piadinhas e coisa e tal. Como eu sou drugue e chefe de vocês, é claro que eu tenho o direito de saber o que está acontecendo, não é? Como é, ô Tapado, o que é que prenuncia esse riso á guisa de bocejo de cavalo? – Porque oTapado estava de rote aberta, numa espécie de esmeque bezúmine, sem som.
Georgie atalhou, muito escorre:
Tá bom, não implica mais com o Tapado. Isso faz parte das novas normas.
Novas normas? disse eu. – Que negócio é esse de novas normas? Houve muito falatório enquanto eu estava de costas, dormindo, não tem como errar. Deixem eu esluchar mais. - E cruzei os rúqueres e me apoiei confortavelmente pra ouvir, no corrimão quebrado da escada, estando eu ainda mais alto do que eles, os meus drugues, como se intitulavam, no terceiro degrau.
Não se ofenda, Alex – disse Pete –, mas nós queremos fazer as coisas assim mais democráticas. Não assim você dizendo o que que pode e o que que não pode, o tempo todo. Mas não se ofenda.
Georgie falou:
- Isso não é ofensa coisa nenhuma. E uma questão de quem tem idéias Que idéias é que ele teve? - E mantinha os glazes muito ousados fixos em mim. – E tudo troço pequeno, véssichezinhas malenques, como ontem à noite. Nós estávamos crescendo, irmãos.
Mais – disse eu. – Deixa eu esluchar mais.
Bom – disse Georgie –, Se você quer ouvir, então vai ouvir. Agente ia por aí, crastando lojas e coisas assim e sai com um ruqucado lastimável de cortador cada um. E fica o Will o Inglês no café Muscleman dizendo que recepta qualquer coisa que qualquer maltchique se dê ao trabalho de crastar. O vil metal, a gaita – disse ele, ainda com Os glazes frios em cima de mim.
O dinheiro muito, muito, muito alto está disponível, é isso que o Will o Inglês diz.
Ah – disse eu, muito à vontade por fora, mas muito rasdraz por dentro, desde quando você anda de carne e unha com o Will o Inglês?
De vez em quando – disse Georgie. – Eu circulo muito, quando estou no meu odinoque. Como no último Sabá, por exemplo. Eu tenho direito a minha djísene, certo, druguinho?
Eu pouco estava ligando para tudo aquilo, meus irmãos. – E o que é que vocês vão fazer – disse eu – com o muito, muito, muito tutu, ou dinheiro, como você chama tão bombasticamente? Vocês não têm todas as véssiches que querem? Se vocês precisam de um carro, é só colher no pé. Se precisam de tutu, é só pegar. Por que esse súbito chilarne de passar a grande capitalista barrigudo?
Ah – disse Georgieie –, ás vezes você pensa e govorita como se fosse uma criancinha. – O Tapado fez hu hu hu com essa. - Hoje à noite a gente vai dar uma crastada de adulto.
Meu sonho tinha contado a verdade então... Georgie, o general, dizendo o que a gente devia ou não devia fazer, o Tapado de chicote, um buldogue sorridente e desmiolado. Mas eu agia com cuidado, com muito cuidado, o máximo, dizendo, sorrindo: – Ótimo. Horrorshow mesmo. A iniciativa chega àqueles que sabem esperar. Eu lhe ensinei muita coisa, meu druguinho. Agora me diga o que está querendo fazer, Georgito.
Ah – disse Georgie com um sorriso astuto e ardiloso, primeiro um moloco-com, você não acha? Alguma coisa pra nos deixar acesos, cara, e você principalmente, que a gente vai começar com você.
Você govoritou meus pensamentos por mim – disse eu sorrindo. – Eu já ia sugerir o velho Korova. Muito bem, muito bem, muito bem. Lidere, Georginho. – E eu fiz assim uma profunda curvatura sorrindo que nem bezúmine, mas pensando o tempo todo. Mas, quando saímos pra rua, eu videei que pensar é pros glupes e que os úmines usam a inspiração e o que Bog manda. Porque agora era linda música que vinha em meu auxílio.
Tinha um carro itando perto e o rádio estava ligado e eu consegui esluchar um compasso ou dois de Ludwig van (era o Concerto para Violino, último momento) e videei no mesmo instante o que tinha a fazer. Falei, assim com uma golosse pesada e profunda: – Certo, Georgie, agora – e saquei zunindo a minha britva de degolar. Georgie disse “Ahn?”, mas era bastante escorre com a noje dele, a lâmina pulando rápida de dentro do cabo, e partimos um pro outro. O Tapado falou: – Ah, isso não tá legal não! – e fez menção de desenrolar a corrente da cintura, mas Pete falou, botando a mão firme em cima do Tapado: – Deixa eles. Assim é que tá certo. – Aí então, Georgie e aqui o Vosso Humilde ficaram naquela silenciosa dança de gato, procurando aberturas, um conhecendo o estilo do outro um pouco horrorshow demais até, de vez em quando Georgie dando golpes perigosos com a sua noje reluzente, mas sem me tocar. E esse tempo todo as líudes passavam e videavam tudo isso, mas metiam-se com a deles, aquilo sendo talvez uma cena de rua bastante comum. Mas aí eu contei ôdin, dva, tri e fui zape zape zape com a britva, se bem que não ao litso ou aos glazes, mas ao rúquer de Georgi e que segurava a noje e, meus irmãozinhos, ele soltou. soltou. Deixou cair a sua noje com um tlinqueliaque na calçada dura de inverno. Eu só tinha feito uma cosquinha nos dedos dele com a minha britva e lá estava ele olhando paira a malenque goteirinha de crove que estava se averjuelhando à luz do poste. –
Agora – disse eu, e desta vez era eu que estava começando, porque Pete tinha dado o soviete ao Tapado de não desenrolar a uze e o Tapado tinha acatado, agora, Tapado, vamos tu e eu resolver isso agora, vamos nós? – O
Tapado fez “Aaaiaaaargh”, como se fosse um bolche animal bezúmine, e tirou a corrente da cintura como uma cobra, muito horrorshow e escorre, aí a gente tinha que admirar. Agora, a posição certa pra eu ficar era abaixado, que nem na dança do sapo, pra proteger o litso e os glazes, e foi o que eu fiz, irmãos. poir isso o coitado do Tapado ficou um malenque surpreso, que ele estava acostumado a dar a chicotada direto na cara, lape lape lape. Agora, devo dizer que ele me deu uma lambada horrível nas costas, que me deu uma dor bezúnime, mas aquela dor me aconselhou a abrir caminho escorre e de uma vez por todas e terminar com o Tapado. Então eu zuni a britva no noga esquerdo dele, na parte mais apertada da malha, abri duas polegadas de roupa e arranquei uma quantidade malenque de crove, o bastante para deixar o Tapado bezúmine de verdade. Então, enquanto ele fazia au au au que nem um cachorrinho, eu tentei o mesmo lance usado com Georgie, botando as bolas todas na caçapa de uma jogada só, pra cima, cruzado e corta – e eu senti a britva entrar suficientemente fundo no bife do pulso do Tapado, e ele deixou cair a uze serpenteando, berrando feito uma criancinha. Aí, ele tentou beber de volta todo o sangue do pulso e uivar ao mesmo tempo, e tinha crove demais pra beber e ele fazia blube blube blube blube, o vermelho assim jorrando lindo que nem uma fonte, mas não por muito tempo. Eu falei:
Certo, meus druguinhos. Agora nós já sabemos. Sim, Pete?
Eu nunca falei nada – disse Pete. – Não govoritei nem um eslovo. Olha, o Tapado vai sangrar até morrer.
Nunca – disse eu. A gente só morre uma vez. O Tapado morreu antes de nascer. Esse crove vermelho vermelho vai parar logo.  Porque eu não tinha cortado assim os vasos principais. E eu mesmo tirei um tachetuque limpo do meus cárman pra enrolar o rúquer do pobre Tapado moribundo, uivando e gemendo que ele estava, e o crove parou como eu tinha dito, ó meus irmãos. Aí eles ficaram sabendo quem era o mestre e o líder, carneiros, pensei eu.
Não demorou muito pra acalmar esses dois soldados feridos no aconchego do Duke of New York, com grandes conhaques (pagos com o cortador deles, que o meu eu tinha dado todo pro meu pai) e uma limpeza com os tachetuques molhados na jarra d'água. As ptitsas velhas com quem a gente tinha sido tão horrorshow na noite da véspera estavam lá de novo, fazendo “obrigada, meninos” e “Deus abençoe vocês, moços” como se não pudessem parar, se bem que a gente não tivesse repetido a ação sâmie com elas. Mas Pete disse: – O que é que vai ser, garotas? – e pagou cerveja preta pra elas, que ele parecia estar com um bocado de tutu nos cármans, ai elas continuaram mais alto do que nunca com o seu “Deus abençoe e guarde vocês, rapazes” e “os melhores rapazes que ainda estão com vida, isso é o que vocês são”. Finalmente, eu disse pro Georgie:
Agora a gente está como antes, não é? Tudo como antes e tudo esquecido, certo?
Certo, certo, certo – disse Georgie. Mas o Tapado ainda parecia um pouco atordoado e até disse:
Eu podia ter apanhado aquele puto com a minha uze, sabe, mas teve um veque que ficou no meio – como se ele tivesse estado dratsando não comigo, mas com um outro maltchique qualquer. Eu disse:
Bom, Georgito, o que era que você estava planejando?
Ah – disse Georgie –, hoje à noite não. Por favor, não esta nótchi.
Você é um tcheloveque grande e forte – disse eu –, como todos nós. Nós não somos criancinhas, somos, Georgito? O que então planejando estavas tu?
Eu podia ter dado uma correntada nos glazes dele bem horrorshow – dizia o Tapado, e as velhas babúchecas ainda estavam no ar com “obrigada, moços”.
Era aquela casa, sabe? - disse Georgie. – A que tem duas lâmpadas do lado de fora. Aquela assim que tem o nome glupe.
Que Mansão?
A Mansão, ou o Solar, ou uma glupice dessas. Onde mora aquela ptitsa muito estarre com seus gatos e todas aquelas véssiches velhas valiosas.
Como o quê?
Ouro, prata e jóias. Foi Will o Inglês que falou.
Estou videando – disse eu – estou videando horrorshow. – Eu sabia do que é que ele estava falando –
Oldtown, logo depois do edifício Victoria. Bem, o chefe realmente horrorshow sempre sabe quando dar e mostrar generosidade para com os seus subordinados. – Muito bem, Georgie – disse eu.  Uma boa idéia, que merece ser executada. Vamos itar imediatamente.  E enquanto a gente saía, as velhas babúchecas diziam:
Nós não vamos dizer nada, rapazes. Nós ficamos aqui o tempo todo que vocês ficaram. – Aí eu disse: – Boas meninas. Agente volta pra pagar mais, dentro de dez minutos. – E levei os meus três drugues pra fora e para a minha danação.

Anthony Burgess, in Laranja Mecânica

Nenhum comentário:

Postar um comentário