sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Lucky bastards

A coletiva começou com um vídeo, feito especialmente pelos Rolling Stones para a ocasião. No vídeo, Mick Jagger está em casa, assistindo televisão, e descobre que o Monty Python vai voltar a se apresentar. “Acho muito deprimente esses velhos que não sabem a hora de parar, diz Jagger, e ficam se agitando no palco como se fossem jovens.” O baterista Charlie Watts olha pra ele, constrangido. Fim do vídeo. Entram os cinco Python. E o espírito de Deus se moveu sobre a face das águas.
Queria perguntar um trilhão de coisas, mas os jornalistas do mundo inteiro (uns cinquenta) disputavam a palavra. Queria dizer que amava eles incondicionalmente, fazer coraçãozinho com as mãos, pedir pra eles mandarem um beijo pra minha mãe, pro meu pai, e especialmente pra mim. Até que a bola caiu no meu pé, como um milagre — operado pelo amigo Pedro Caiado, jornalista calejado, que levantou a mão, matou no peito e tocou a bola pra mim. Falei, idiotamente: “Hi, my name is Gregorio Duvivier, I am brazilian”. Ao que John Cleese cortou: “You Lucky bastard”.
Timing perfeito. Todos riram. Genial. O que me desconcertou ainda mais. Respirei fundo, tomei coragem e perguntei: “Vocês assistem à comédia que se faz hoje em dia?”. Silêncio enorme. “Não”, responde John Cleese. Todos riem. Não pode acabar assim. Tomo coragem. Insisto na pergunta: “Não tem nada, nos últimos trinta anos, que fez vocês rirem?”. Terry Jones diz, timidamente: gosto do Louis CK. Michael Palin tenta lembrar o nome de uma comediante que ele gosta: Rebecca… Mas não lembra. John Cleese toma a palavra e arremata, com a sinceridade que lhe é característica: “A parte interessante de ficar velho é que você não precisa mais fingir que se interessa pelas novidades e pode ser feliz apenas relembrando os bons momentos”.
Essa frase ficou ecoando na minha cabeça ao longo de todo o espetáculo a que eu assisti ontem. Se eu fosse crítico de teatro, teria odiado a peça. Até porque não é teatro. Em duas horas e meia de peça, não há uma ideia sequer de encenação, um recurso teatral que justifique o fato de estarmos vendo esquetes que já sabemos de cor. A ordem dos esquetes parece randômica. A peça começa com o esquete das lhamas, executado com um timing lento. Parece que eles estão imitando a si mesmos.
Se fosse crítico, diria que enferrujaram. Alguns atores sequer sabiam o texto. No esquete “Sapinhos Crocantes”, Terry Jones lia o texto no teleprompter — a plateia conhecia o esquete melhor que ele. John Cleese tinha ininterruptas crises de riso. Os esquetes filmados — as únicas “novidades” da noite — eram constrangedoramente amadores e mal filmados. A prometida aparição de Stephen Hawking se deu no meio de uma piada idiota ou inteligente demais pra mim. Os números de dança se arrastavam por minutos intermináveis.
A sorte é que eu não sou crítico de teatro. E a peça foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida. Não só pra mim. Arrisco dizer que pra maioria das pessoas que estavam ali. Exatamente por causa de todas essas falhas que eu citei. Não tem nada melhor do que ver o seu ídolo falhando — era tudo o que a gente queria, no fundo. Além disso, essas falhas — ausência de dramaturgia, as piadas infantis, as interpretações amadoras — já estavam presentes em larga escala no Monty Python de antigamente, e arrisco-me a dizer que era exatamente por causa delas que a gente amava eles. E eles continuam iguaizinhos, do jeito que a gente ama.
No final da noite, cantando “Always Look On The Bright Side of Life” com Eric Idle e as 15 mil pessoas que estavam na plateia — entre elas alguns amigos da vida toda — estava feliz como nunca estive.
A busca pela novidade escraviza. O apego ao passado não é uma prisão: a pior escravidão é a necessidade de frescor. A felicidade pode estar, sim, na repetição do passado, na encenação da memória, nas nossas velhas falhas de sempre. Não há nada de errado com tudo o que a gente tem de errado. Os Stones sabem disso. Os Python também. Lucky bastards.

Gregório Duvivier, in Put some farofa

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