Passaram-se
vários dias. Eu não fazia grande coisa, apenas ia às corridas,
voltava e brincava com o poema. Trabalhava em três áreas: o poema,
o conto e o romance. Agora, com o argumento, eram quatro. Ou não
eram? Sem o filme, seria eu um escritor de argumentos? Jim Beam não
estava dançando.
Aí
Jon ligou.
– Como
vão os cavalinhos?
– Vão
muito bem. Escuta, como está você, aliás?
– Eu
estou bem... só queria contar pra você o que aconteceu.
– Sim?
– Bem,
depois do cancelamento, a primeira coisa que François e eu fizemos
foi tomar um porre de dois dias e duas noites...
– Uma
lavagem, certo?
– Certo.
Depois disso fui ao prédio da Firepower, numa tentativa de ver
Friedman e descobrir por que ele cancelou o filme. Foi um choque pra
mim.
– Pra
mim também.
– Fui
até lá. O guarda não quis me deixar entrar. Evidentemente,
Friedman tinha dado ordens pra que eu não visse ele.
– Filho
da puta.
– É,
ele é às vezes. De qualquer modo, fui pela outra entrada, tem
duas...
– É,
eu sei.
– Eu
conheço o advogado deles. Disse ao guarda que ia falar com o
advogado, e ele me deixou entrar. Mas não fui ver o advogado, fui ao
gabinete de Friedman e entrei direto.
– Boa.
– Friedman
levantou a cabeça e me viu. Disse: “Ora, olá, Jon, como vai
você?”. Eu disse que estava ótimo. Decidi não perguntar por que
ele cancelara o filme. Isso era lá com ele mesmo. Por isso disse:
“Você vai arranjar outra pessoa pra esse filme?”. Ele perguntou:
“Você tem mais alguém?”. Eu disse que não tinha. Depois disse:
“Nós vamos arranjar alguém. E quando arranjarmos, quero sua
palavra sobre uma coisa”. “Qual?”, ele perguntou. “Bem,
quando arranjarmos alguém, vamos fazer com que paguem a você todas
as suas despesas até agora com a pré-produção.” “Ótimo”,
ele disse. “Mas”, eu disse, “quero sua palavra de que deixará
o filme seguir em frente sob essas condições, e de que a Firepower
não exigirá pagamentos adicionais.” “Ótimo”, disse Friedman,
“vá em frente. Arranje outra pessoa. Eu concordo com os termos. E
boa sorte pra você.”
– E
ficou nisso?
– Ficou,
apertamos as mãos e eu saí. Acredito que ele ficou encantado com a
possibilidade de recuperar os custos de pré-produção.
– Agora
a gente só tem de arranjar alguém.
– Já
temos...
– Quê?
– Sabe,
o tempo todo em que negociamos com a Firepower, mesmo depois deles
assinarem o contrato pra fazer o filme, a gente procurava em segredo
outros produtores. Jamais confiamos muito na Firepower. Assim, quando
um dos outros produtores descobriu que o filme tinha sido cancelado,
pulou dentro.
– Oh,
quem são essas pessoas?
– É
Edleman, um GRANDE operador imobiliário do leste. O homem dele na
costa oeste é Sorenson. A gente checou tudo. O dinheiro está lá, é
concreto. E eles dizem: “Sim, nós temos o dinheiro. Sim, a gente
quer fazer o filme. Vamos fazer”.
– Tem
certeza de que esses caras são legais?
– O
dinheiro está lá. Eles estão estabelecidos. Nós estamos numa
melhor do que com a Firepower. E eles adoram o argumento e os atores.
Estão prontos pra rolar. Estamos tratando da documentação.
Assinamos quinta-feira à tarde.
– Lindo,
Jon. Estou feliz por você. Por mim também.
– A
gente faria o filme de qualquer jeito. Eu estava decidido. Mas agora
podemos fazer imediatamente.
– Estou
orgulhoso de você, Jon.
– Mantenho
você informado. Tchau.
– Faça
isso. Tchau, Jon…
O
telefonema seguinte foi uns dois dias depois.
– Filho
da puta!
– Qualé,
ô?
– A
Firepower voltou atrás! Eles sabem de Edleman e Sorenson. AGORA
ESTÃO EXIGINDO ENTRE 500 E 750 MIL DÓLARES A MAIS!
– QUÊ?
– Friedman
voltou atrás em sua palavra. Chamei ele no telefone, disse: “Mas
você me disse que não ia pedir nada mais! Você me deu sua
palavra!”
– Que
foi que ele disse?
– Não
disse nada. Desligou. Agora não consigo entrar em contato com ele.
Não atende meus telefonemas. Vou fazer uma GREVE DE FOME!
– Quê?
– UMA
GREVE DE FOME! Pego minha garrafa d’água e uma cadeirinha baixa e
vou me sentar na frente da Firepower e me matar de fome!
– Agora?
– É,
estarei lá dentro de dez minutos!
– Não
tá falando sério...
– Claro
que tou falando sério!
Quando
passei de carro, lá estava Jon Pinchot sentado defronte do prédio,
em sua cadeirinha baixa. Tinha a garrafa d’água. E um cartaz em
letras grosseiras:
GREVE
DE FOME!
A
FIREPOWER É
O
PODER DA MENTIRA!
Estacionei
e fui até ele. Quatro ou cinco pessoas o fitavam. Eu me ajoelhei ao
lado dele.
– Escuta,
Jon. Vamos esquecer essa porra desse filme. Eu devolvo seu dinheiro.
Não preciso dele tanto assim. Vamos acabar com essa merda e tomar um
porre em algum lugar, hum?
Jon
enfiou a mão no bolso e me entregou um pedaço de papel.
– Dei
um jeito de mandar entregar isso por mensageiro a Harry Friedman. Ele
recebeu. Isso aí é uma cópia. – E ele puxou outro papel. –
Aqui está o acordo de liberação.
Li
o primeiro papel que ele tinha me entregue:
Caro
Harry:
Aqui
estão as duas alternativas que eu lhe disse pelo telefone. Como vê,
são ambas aceitáveis por mim. Acredite-me, quando eu sugiro uma
solução em que não ganho dinheiro algum, isso não é só para
salvar o projeto, mas também porque eu gosto de você, muito mais do
que você pode imaginar.
Tudo
bem, agora você decide. Por favor, decida rápido, porque eu tenho
Edleman, que está pronto a assumir o filme e todas as obrigações
em todos os contratos. Se Edleman, que está disposto a assumir o
filme imediatamente, não tiver esse pedaço de papel (Solução nº
1 anexa) assinado por você até quinta-feira à tarde, não poderá
iniciar a produção no dia 19. Dez pessoas importantes precisam ser
contratadas antes disso. O que nos deixa só terça e quarta para que
Edleman assuma o filme. Se não se fizer isso, perderemos Jack
Bledsoe como principal ator e você perderá cerca de um milhão de
dólares. Isso é suicídio para qualquer um, pelo menos
financeiramente. Mas tenho de ir mais um passo à frente, como se
segue: se meu filme não estiver liberado por você amanhã de manhã,
às nove horas, como você me prometeu, a Solução nº 2 é que
começarei a cortar pedaços de meu corpo e mandá-los em envelopes
para você, todos os dias. Estou falando sério. Você não pode se
dar o luxo de esperar nem mais um dia. É UMA QUESTÃO DE VIDA OU
MORTE PARA O FILME.
Com
amor,
Jon
O
outro pedaço de papel tinha o título Solução nº 1 e começava:
EMENDA
AO ACORDO DE LIBERAÇÃO DOS
SERVIÇOS
DE DIREÇÃO DE JON PINCHOT
Tendo
sido escrito por um advogado, era quase ilegível, mas parecia exigir
que Friedman liberasse o filme para Edleman e ficasse com o dinheiro
que seria de Jon.
Devolvi
os papéis a ele.
– Qual
é a Solução nº 2?
– O
corte dos pedaços.
– Chama
isso de solução?
– Acho
que se podia chamar de resolução.
– Você
não vai fazer isso?
– Vou,
sim. É só o que eu sei.
– Você
está doido.
– Não.
Não. Mas venha comigo. Preciso me preparar.
– Preparar?
– É.
Estávamos
no carro de Jon.
– Já
tenho a primeira parte do que preciso. O anestésico. Sabe, tive de
ir ao médico por causa de uma unha do pé encravada. Ele operou. E
me deu o anestésico para depois. Funcionou sensacionalmente...
– Aonde
vamos?
– Você
vai ver. De qualquer modo, tive de voltar pra verificar a unha. Disse
ao médico: “Aquele anestésico foi sensacional, durou dez horas.
Me fale sobre ele”. Ele me falou. Depois eu perguntei: “Eu posso
ver?”. Ele me levou ao seu armarinho de remédios e mostrou o tal.
“Muito interessante”, eu disse. A gente conversou mais um pouco,
e eu saí. Mas tinha uma mochila comigo, uma pequena mochila de
viagem. Deixei ela junto do armarinho de remédios. Depois que saí
do consultório, voltei. “Oh”, disse à recepcionista, “esqueci
minha mochila.” Entrei pra pegar e não tinha ninguém por perto.
Abri o gabinete e peguei o anestésico.
– Você
não pode fazer isso – eu disse a Jon.
– Eu
TENHO
que – ele respondeu.
Estávamos
numa ferragem.
– Sim?
– disse o balconista.
– Eu
quero uma serra – disse Jon. – Uma motosserra.
O
vendedor dirigiu-se a um mostruário de parede e voltou com o
aparelho laranja.
– Esta
é uma Black and Decker, uma das melhores que temos.
– Onde
se põe a lâmina? – perguntou Jon. – Como se põe?
– Oh,
é muito fácil – disse o vendedor. Pegou uma lâmina e encaixou-a.
Jon
olhou-a. A lâmina tinha dentes muito grandes.
– Humm
– disse Jon –, não é essa exatamente a lâmina que eu
procurava.
– Que
tipo de lâmina você quer? – perguntou o vendedor.
Jon
pensou um momento. Depois disse:
– Uma
pra cortar pequenas peças de madeira. Madeira dura.
– Oh
– disse o vendedor –, que tal esta?
Encaixou
a nova lâmina. Tinha dentes finos, muito juntos, afiados.
– É
– disse Jon –, é essa que eu quero. Essa serve.
– Dinheiro
ou cartão de crédito? – perguntou o vendedor.
De
volta ao carro, e voltando para retomar a greve de fome, perguntei a
Jon:
– Não
vai realmente fazer isso, vai?
– Claro.
Vou começar com o dedo mindinho da mão esquerda. Pra que serve ele
mesmo?
– É
o que a gente usa para bater a letra “a” na máquina de escrever.
– Eu
bato sem usar a letra “a”.
– Escuta,
amigo, não há nenhuma maneira de dar meia-volta nessa coisa e
esquecer tudo?
– Não.
De jeito nenhum.
– E
você vai estar lá às nove da manhã?
– No
escritório do advogado dele. Ligarei a máquina. E farei a coisa se
ele não liberar o filme.
Eu
acreditava. Era como ele dizia: uma simples declaração de um fato,
sem sobretons melodramáticos.
– Você
me espera antes de entrar no escritório do advogado?
– Espero,
mas você tem de chegar na hora. Vai chegar na hora?
– Estarei
lá na hora – eu disse.
Voltamos
à Firepower.
Charles Bukowski, in Hollywood
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