domingo, 10 de setembro de 2023

Hollywood | 25


Passaram-se vários dias. Eu não fazia grande coisa, apenas ia às corridas, voltava e brincava com o poema. Trabalhava em três áreas: o poema, o conto e o romance. Agora, com o argumento, eram quatro. Ou não eram? Sem o filme, seria eu um escritor de argumentos? Jim Beam não estava dançando.
Aí Jon ligou.
Como vão os cavalinhos?
Vão muito bem. Escuta, como está você, aliás?
Eu estou bem... só queria contar pra você o que aconteceu.
Sim?
Bem, depois do cancelamento, a primeira coisa que François e eu fizemos foi tomar um porre de dois dias e duas noites...
Uma lavagem, certo?
Certo. Depois disso fui ao prédio da Firepower, numa tentativa de ver Friedman e descobrir por que ele cancelou o filme. Foi um choque pra mim.
Pra mim também.
Fui até lá. O guarda não quis me deixar entrar. Evidentemente, Friedman tinha dado ordens pra que eu não visse ele.
Filho da puta.
É, ele é às vezes. De qualquer modo, fui pela outra entrada, tem duas...
É, eu sei.
Eu conheço o advogado deles. Disse ao guarda que ia falar com o advogado, e ele me deixou entrar. Mas não fui ver o advogado, fui ao gabinete de Friedman e entrei direto.
Boa.
Friedman levantou a cabeça e me viu. Disse: “Ora, olá, Jon, como vai você?”. Eu disse que estava ótimo. Decidi não perguntar por que ele cancelara o filme. Isso era lá com ele mesmo. Por isso disse: “Você vai arranjar outra pessoa pra esse filme?”. Ele perguntou: “Você tem mais alguém?”. Eu disse que não tinha. Depois disse: “Nós vamos arranjar alguém. E quando arranjarmos, quero sua palavra sobre uma coisa”. “Qual?”, ele perguntou. “Bem, quando arranjarmos alguém, vamos fazer com que paguem a você todas as suas despesas até agora com a pré-produção.” “Ótimo”, ele disse. “Mas”, eu disse, “quero sua palavra de que deixará o filme seguir em frente sob essas condições, e de que a Firepower não exigirá pagamentos adicionais.” “Ótimo”, disse Friedman, “vá em frente. Arranje outra pessoa. Eu concordo com os termos. E boa sorte pra você.”
E ficou nisso?
Ficou, apertamos as mãos e eu saí. Acredito que ele ficou encantado com a possibilidade de recuperar os custos de pré-produção.
Agora a gente só tem de arranjar alguém.
Já temos...
Quê?
Sabe, o tempo todo em que negociamos com a Firepower, mesmo depois deles assinarem o contrato pra fazer o filme, a gente procurava em segredo outros produtores. Jamais confiamos muito na Firepower. Assim, quando um dos outros produtores descobriu que o filme tinha sido cancelado, pulou dentro.
Oh, quem são essas pessoas?
É Edleman, um GRANDE operador imobiliário do leste. O homem dele na costa oeste é Sorenson. A gente checou tudo. O dinheiro está lá, é concreto. E eles dizem: “Sim, nós temos o dinheiro. Sim, a gente quer fazer o filme. Vamos fazer”.
Tem certeza de que esses caras são legais?
O dinheiro está lá. Eles estão estabelecidos. Nós estamos numa melhor do que com a Firepower. E eles adoram o argumento e os atores. Estão prontos pra rolar. Estamos tratando da documentação. Assinamos quinta-feira à tarde.
Lindo, Jon. Estou feliz por você. Por mim também.
A gente faria o filme de qualquer jeito. Eu estava decidido. Mas agora podemos fazer imediatamente.
Estou orgulhoso de você, Jon.
Mantenho você informado. Tchau.
Faça isso. Tchau, Jon…

O telefonema seguinte foi uns dois dias depois.
Filho da puta!
Qualé, ô?
A Firepower voltou atrás! Eles sabem de Edleman e Sorenson. AGORA ESTÃO EXIGINDO ENTRE 500 E 750 MIL DÓLARES A MAIS!
QUÊ?
Friedman voltou atrás em sua palavra. Chamei ele no telefone, disse: “Mas você me disse que não ia pedir nada mais! Você me deu sua palavra!”
Que foi que ele disse?
Não disse nada. Desligou. Agora não consigo entrar em contato com ele. Não atende meus telefonemas. Vou fazer uma GREVE DE FOME!
Quê?
UMA GREVE DE FOME! Pego minha garrafa d’água e uma cadeirinha baixa e vou me sentar na frente da Firepower e me matar de fome!
Agora?
É, estarei lá dentro de dez minutos!
Não tá falando sério...
Claro que tou falando sério!
Quando passei de carro, lá estava Jon Pinchot sentado defronte do prédio, em sua cadeirinha baixa. Tinha a garrafa d’água. E um cartaz em letras grosseiras:

GREVE DE FOME!
A FIREPOWER É
O PODER DA MENTIRA!

Estacionei e fui até ele. Quatro ou cinco pessoas o fitavam. Eu me ajoelhei ao lado dele.
Escuta, Jon. Vamos esquecer essa porra desse filme. Eu devolvo seu dinheiro. Não preciso dele tanto assim. Vamos acabar com essa merda e tomar um porre em algum lugar, hum?
Jon enfiou a mão no bolso e me entregou um pedaço de papel.
Dei um jeito de mandar entregar isso por mensageiro a Harry Friedman. Ele recebeu. Isso aí é uma cópia. – E ele puxou outro papel. – Aqui está o acordo de liberação.
Li o primeiro papel que ele tinha me entregue:

Caro Harry:
Aqui estão as duas alternativas que eu lhe disse pelo telefone. Como vê, são ambas aceitáveis por mim. Acredite-me, quando eu sugiro uma solução em que não ganho dinheiro algum, isso não é só para salvar o projeto, mas também porque eu gosto de você, muito mais do que você pode imaginar.
Tudo bem, agora você decide. Por favor, decida rápido, porque eu tenho Edleman, que está pronto a assumir o filme e todas as obrigações em todos os contratos. Se Edleman, que está disposto a assumir o filme imediatamente, não tiver esse pedaço de papel (Solução nº 1 anexa) assinado por você até quinta-feira à tarde, não poderá iniciar a produção no dia 19. Dez pessoas importantes precisam ser contratadas antes disso. O que nos deixa só terça e quarta para que Edleman assuma o filme. Se não se fizer isso, perderemos Jack Bledsoe como principal ator e você perderá cerca de um milhão de dólares. Isso é suicídio para qualquer um, pelo menos financeiramente. Mas tenho de ir mais um passo à frente, como se segue: se meu filme não estiver liberado por você amanhã de manhã, às nove horas, como você me prometeu, a Solução nº 2 é que começarei a cortar pedaços de meu corpo e mandá-los em envelopes para você, todos os dias. Estou falando sério. Você não pode se dar o luxo de esperar nem mais um dia. É UMA QUESTÃO DE VIDA OU MORTE PARA O FILME.
Com amor,
Jon

O outro pedaço de papel tinha o título Solução nº 1 e começava:

EMENDA AO ACORDO DE LIBERAÇÃO DOS
SERVIÇOS DE DIREÇÃO DE JON PINCHOT

Tendo sido escrito por um advogado, era quase ilegível, mas parecia exigir que Friedman liberasse o filme para Edleman e ficasse com o dinheiro que seria de Jon.
Devolvi os papéis a ele.
Qual é a Solução nº 2?
O corte dos pedaços.
Chama isso de solução?
Acho que se podia chamar de resolução.
Você não vai fazer isso?
Vou, sim. É só o que eu sei.
Você está doido.
Não. Não. Mas venha comigo. Preciso me preparar.
Preparar?
É.

Estávamos no carro de Jon.
Já tenho a primeira parte do que preciso. O anestésico. Sabe, tive de ir ao médico por causa de uma unha do pé encravada. Ele operou. E me deu o anestésico para depois. Funcionou sensacionalmente...
Aonde vamos?
Você vai ver. De qualquer modo, tive de voltar pra verificar a unha. Disse ao médico: “Aquele anestésico foi sensacional, durou dez horas. Me fale sobre ele”. Ele me falou. Depois eu perguntei: “Eu posso ver?”. Ele me levou ao seu armarinho de remédios e mostrou o tal. “Muito interessante”, eu disse. A gente conversou mais um pouco, e eu saí. Mas tinha uma mochila comigo, uma pequena mochila de viagem. Deixei ela junto do armarinho de remédios. Depois que saí do consultório, voltei. “Oh”, disse à recepcionista, “esqueci minha mochila.” Entrei pra pegar e não tinha ninguém por perto. Abri o gabinete e peguei o anestésico.
Você não pode fazer isso – eu disse a Jon.
Eu TENHO que – ele respondeu.
Estávamos numa ferragem.
Sim? – disse o balconista.
Eu quero uma serra – disse Jon. – Uma motosserra.
O vendedor dirigiu-se a um mostruário de parede e voltou com o aparelho laranja.
Esta é uma Black and Decker, uma das melhores que temos.
Onde se põe a lâmina? – perguntou Jon. – Como se põe?
Oh, é muito fácil – disse o vendedor. Pegou uma lâmina e encaixou-a.
Jon olhou-a. A lâmina tinha dentes muito grandes.
Humm – disse Jon –, não é essa exatamente a lâmina que eu procurava.
Que tipo de lâmina você quer? – perguntou o vendedor.
Jon pensou um momento. Depois disse:
Uma pra cortar pequenas peças de madeira. Madeira dura.
Oh – disse o vendedor –, que tal esta?
Encaixou a nova lâmina. Tinha dentes finos, muito juntos, afiados.
É – disse Jon –, é essa que eu quero. Essa serve.
Dinheiro ou cartão de crédito? – perguntou o vendedor.

De volta ao carro, e voltando para retomar a greve de fome, perguntei a Jon:
Não vai realmente fazer isso, vai?
Claro. Vou começar com o dedo mindinho da mão esquerda. Pra que serve ele mesmo?
É o que a gente usa para bater a letra “a” na máquina de escrever.
Eu bato sem usar a letra “a”.
Escuta, amigo, não há nenhuma maneira de dar meia-volta nessa coisa e esquecer tudo?
Não. De jeito nenhum.
E você vai estar lá às nove da manhã?
No escritório do advogado dele. Ligarei a máquina. E farei a coisa se ele não liberar o filme.
Eu acreditava. Era como ele dizia: uma simples declaração de um fato, sem sobretons melodramáticos.
Você me espera antes de entrar no escritório do advogado?
Espero, mas você tem de chegar na hora. Vai chegar na hora?
Estarei lá na hora – eu disse.
Voltamos à Firepower.

Charles Bukowski, in Hollywood

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