Simplesmente não acredito nas conclusões que tirei sobre minha situação atual, que já dura quase um ano; ela é séria demais para tanto. Não sei nem se posso dizer que não se trata de uma situação nova. Em todo caso, minha opinião é a de que se trata de uma situação nova; já passei por coisa parecida, mas nunca estive numa situação como essa. Sou como se fosse feito de pedra, como minha própria lápide, sem espaço para dúvida ou crença, amor ou repulsa, coragem ou medo, no particular ou no geral; em mim, vive apenas uma vaga esperança, em nada melhor que as inscrições que se veem nas lápides. Quase nenhuma palavra que escrevo combina com a seguinte, ouço as consoantes raspando metalicamente uma na outra, e as vogais que as acompanham cantando feito negros em exposição. Minhas dúvidas circundam cada palavra, vejo-as antes da palavra em si. Qual nada! Não vejo palavra nenhuma, eu a invento. O que, afinal, nem seria a maior das infelicidades; bastaria que eu conseguisse inventar palavras capazes de soprar o odor cadavérico numa direção tal que ele não nos atingisse, a mim e ao leitor, bem no meio da cara. Quando me sento à escrivaninha, não me sinto melhor que alguém que, em meio ao tráfego da Place de l'Ópera, leva um tombo e quebra as duas pernas. A despeito do barulho que fazem, os carros vêm e vão em silêncio, provenientes de todas as direções e rumando para todas as partes, mas ordem melhor que a dos guardas estabelece a dor desse homem, uma dor que lhe fecha os olhos e esvazia a praça e as ruas sem que os carros precisem dar a volta. A abundância de vida lhe dói, porque, afinal, ele constitui um obstáculo ao trânsito, mas o vazio não é menos maléfico, porque libera sua verdadeira dor.
Franz Kafka, in Diários: 1909-1923
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