domingo, 11 de junho de 2023

Sessão de terapia

Paciente está deitado no divã. Analista o analisa, de sua poltrona.
ANALISTA Pode começar.
Paciente fica em silêncio.
ANALISTA cinco, dez, quinze, vinte…
Paciente continua em silêncio, sem entender.
ANALISTA Sabe o que é isso? É o seu dinheiro indo embora.
PACIENTE Desculpa. Eu tive uma semana difícil.
ANALISTA Jura? Um trator levou a tua casa?
PACIENTE Não.
ANALISTA Os nazistas descobriram que você e sua família moram escondidos num sótão?
PACIENTE Não, até porque…
ANALISTA Você é um elefante órfão que sofre bullying por ter orelhas gigantes?
PACIENTE Não, definitivamente.
ANALISTA Então a gente precisa redefinir a palavra “difícil”.
PACIENTE É que tá complicado lá no trabalho.
ANALISTA É trabalho escravo? Você leva chibatada, limpa porra no chão, leva surra de rola?
PACIENTE Não.
ANALISTA Então vamos ficar felizes com o trabalho?
PACIENTE Vamos.
Silêncio.
ANALISTA trinta, quarenta, cinquenta…
PACIENTE Minha mãe.
ANALISTA O que é que tem?
PACIENTE Ela não para de encher o meu saco.
ANALISTA Eu sei bem como é.
PACIENTE É.
ANALISTA A minha também enchia o meu saco. Até que morreu. E adivinha? Parou de encher meu saco.
PACIENTE Isso é chato. Mas isso não impede que a minha mãe viva seja bem chata também.
ANALISTA Se quiser eu conheço um pessoal que pode dar um jeito na sua mãe.
PACIENTE Não precisa.
ANALISTA Então vamos ficar felizes com a mãe viva?
PACIENTE Vamos.
(silêncio)
ANALISTA sessenta, setenta, oitenta…
PACIENTE Já que você falou de morte, meu pai morreu e eu nunca me recuperei.
Analista levanta da cadeira, vai até o paciente e aperta suas bolas. Ele dá um grito.
ANALISTA Eu nasci com uma doença rara que faz com que eu não tenha testículos nem rim, o que me dá psoríase, sudorese e incontinência urinária. Meus pais me deixaram num orfanato e quando eu só era abusado pelos padres eu chamava aquilo de “um dia bom”. Passei a adolescência traficando quantidades industriais de cocaína que eu trazia da Colômbia dentro do meu intestino. Fui dedurado e passei doze anos em Bangu onde eu me formei em “psicanálise de rua”. Isso aqui não é seriado da GNT, não. Isso aqui é análise de rua, amigo. Se você quiser eu posso espremer as suas bolas igual a um tomate cereja.
PACIENTE Por favor, não faz isso.
ANALISTA Repete comigo: vamos ser felizes com esta vida.
Ele repete.

Gregório Duvivier, in Put some farofa

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