Uma
tarde, em algum lugar da Grécia.
Curvada
para o chão, a velha recolhe as azeitonas e as joga dentro de um
cesto. Talvez não seja muito velha, e a fadiga do trabalho a faça
parecer menor e mais lenta. Com uma longa vara, o homem de cabelos
grisalhos bate os galhos da oliveira. Um burrico, ali perto, espera a
hora de escurecer, de sentir um peso nas costas e de marchar
lentamente de volta à casa: o homem lhe dará a ordem numa só
palavra resmungada.
Talvez
em português, talvez em italiano, talvez em grego. Muda pouco a
paisagem, mudam pouco as rugas do camponês, as oliveiras têm esse
mesmo verde prateado, desfalecido, seja ao pé de um convento
manuelino, de um arco romano, de umas colunas dóricas abandonadas na
planura. Novembro começa: e lentamente, como se o fizessem apenas
nas horas de lazer, homens e mulheres começam a colher olivas,
apenas de uma árvore ou outra, como na abertura de um rito. Sento-me
no chão, à sombra de uma oliveira: o sol se faz subitamente muito
claro, quase quente. Eu podia tirar uma fotografia, mas sou um mau
turista: fico ali sentado no chão, analfabeto, animal; pensando que
eu poderia ser, com esta mesma cara, aquele homem de cabelos
grisalhos; e aquela mulher que se curva para a terra, de pano na
cabeça, poderia ser minha mulher; e eu poderia estar repetindo
lentamente, na mesma faina de sempre, o mesmo gesto de meu avô, meu
bisavô, na mesma terra, junto, quem sabe, à mesma oliveira secular.
Sinto que sou um europeu do Mediterrâneo, me reencarno na rude pele
de qualquer antepassado. Se eu ficasse louco neste momento, e
perdesse a memória, talvez acabasse a vida nesta aldeia; e, como
seria um louco manso, talvez me admitissem lentamente a cuidar da
terra, a pastorear as ovelhas, e limpar os vinhedos, a colher
azeitonas. Dar-me-iam algum monte de feno onde dormir, ao abrigo do
tempo; e, ao cabo, talvez me estimassem, sentindo em mim um dos seus.
Como
o Brasil está longe, além dos mares, das gerações! (Mas, mesmo na
minha loucura mansa, perdida toda a memória, talvez eu guardasse um
certo nome de mulher — e o repetisse baixinho, comigo mesmo,
quando, perante um desses mármores lavados pelas chuvas, dourados
pelos sóis, eu me lembrasse vagamente da pele de seu corpo e
sentisse, talvez, uma confusa, violenta vontade de chorar.)
Atenas,
novembro, 1961.
Rubem Braga, in A traição das elegantes
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